Quando o amor acaba
Mal a pobre se queixa, ele a enche de socos e pontapés.
- E agora? Está se divertindo? É o suficiente?
- Não dá pra ser poeta o tempo todo, dá?
No começo tudo envolvia. Era o bar lá embaixo, era a poesia, a vitrola, a sodomia.
- Gosta de Belchior?
- Não muito, acho a voz dele chata.
No início tudo se movia carlonisticamente.
- Vê?
- O quê?
- Do micro ao macro, tudo baila...
Parece que tudo foi cansando, foi ficando cinza, lento, preguiçoso.
- Acho que rançou, não foi?
- Foi.
Nem ouvimos todos os belchiores, nem fizemos planos para o jantar, comemos no jardim, rangamos no pomar, mas não fizemos grande coisa com os pedaços de você e de mim. Sobramos nesta rima pobre, o meu velho risco e teu eterno poema. O risco é todo meu, fica com tua intacta poesia, eu não ousaria meter-me na tua solidão novamente.
- Um cara me falou...
- Quê?
Poupe-me de palavras vazias, repletas de emoções que não suportam existir.
- Eu estou apaixonado por você.
- Eu também – digo baixo, atrás da porta, esquiva.
O que dura? O que permanece?
- Que nada além de sonhos me atravesse...
Leve e doce.
- Vai embora!
- O quê? Espera... não acredito...
- Vai embora.
(Eu bato o portão sem fazer alarde, eu levo a carteira de identidade, uma saideira, muita saudade, e a leve impressão de que já vou tarde...)
- Não dá pra ser poeta o tempo todo, dá?
- Dá. Eu sou artista o tempo todo.
- Então é isso.