Devaneios de Gabriela

Ela encarou o papel, como um lápis preso entre os dedos.

Aquela superfície branca era a coisa mais assustadora que tinha visto nos últimos tempos. Era o retrato de sua esterilidade... do definhamento de sua sensibilidade. Com um exército de palavras engasgadas na garganta e as mãos trêmulas, ela largou tudo de lado e foi até a geladeira.

Tirou uma garrafa de vodka do congelador e encheu uma xícara até a metade.

Encarou o líquido, e bebeu um grande gole, como se tomasse um remédio.

Sentiu a queimação seguir goela abaixo e um arrepio lhe tomou o corpo.

Voltou para a sala e para o papel.

Começou a fazer pequenos riscos e desenhos abstratos quando enjoou de não fazer nada.

Por fim, amassou o que era para ser uma carta, mas tinha se tornado um conjunto de símbolos impossíveis de compreender.

um retrato perfeito de sua mente no momento.

Retornou para a vodka e depois para o sofá.

Chorou até dormir, só para acordar horas depois, assombrada... como uma sensação de que tinha se afogado...

Olhou para os papéis amassados e decidiu não chorar mais.

Pegou o celular, e gravou um desabafo. Falou talvez por uns dez minutos, sem se preocupar com a coerência do que dizia.

Simplesmente falou,

vomitou,

soluçou,

chorou,

e confessou todo o amor que tinha preso dentro de si.

se livrou da farsa que a aprisionava e que lhe sufocava...

Teve medo do resultado,

tinha medo do que aconteceria quando a mensagem chegasse a sua destinatária,

tinha medo da dor da rejeição.

Mas o alívio que sentia não a deixava que se arrependesse.

Depois de muito tempo, finalmente ela estava em paz consigo mesma.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 16/05/2016
Código do texto: T5637306
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