Caiu-lhe a venda dos olhos. Melhor seria se ainda tivesse a visão encoberta por aqueles véus, através dos quais ela via o que gostava, percebia o que desejava, colhia o que mais apreciava. Guiava-se pelo seu sonho que gostar, de querer... Que sabia ela do querer e do gostar? Que diferença o desejar do apreciar?
 
Resumia seus pensamentos e crenças em poucas palavras. Via pessoas pela simples aparência, sem sentir-lhes a essência. Somente ela era assim? Talvez não! Mas suas amigas pareciam mais vividas, amadurecidas, mais perceptivas do que ela, embora vivessem com o semblante enfadonho, sem o brilho no olhar quando sorriam. Era como se tivessem perdido o melhor de si, aquele desejo de viver, de sentir perfumes, de amar voo de pássaros...

Ela? Não! Ela se detinha para ver uma flor se abrindo no canteiro de um jardim, ou de uma borboleta pousando nela. Mais lindo achava os colibris com seus longos bicos retirando o néctar das flores. Mas agora... o mundo parecia-lhe diferente. O tom do azul do céu mudara. Já não era tão azul. Cinza, talvez? Era sua alma que olhava, ou seu coração que sentia a imagem que suas retinas captavam.

Perdera aquela sensação que a fazia tão feliz, de despertar pela manhã e espreguiçar-se longamente diante da janela de seu quarto. De lá, podia vê-lo enquanto cortava a grama do seu jardim, ou quando estava plantando uma nova muda de flores. Parece que o trazia bem cuidado. Às vezes lhe sorria e lhe acenava um bom-dia e, noutras, sequer a percebia, como se seu pensamento viajasse para longe... Para onde iria? Possivelmente, em suas divagações, não se distanciasse tanto quanto naquele momento.

Viu-o quando a jovem, vestida com simplicidade, aproximou-se do seu jardim e tentou apanhar uma flor silvestre à beira do canteiro de rosas. Ele gentilmente, cortou uma das rosas e ofereceu-lhe. Viu que conversavam um pouco e entraram pela casa adentro, fechando a porta. Pouco tempo depois, viu-a sair chorando, a blusa rasgada...O que lhe fizera ele, que veio logo atrás e fechou a porta. Desceu rápido de seu quarto e alcançou a rua. Com passos rápidos, aproximou-se dela... abordou a jovem que chorava. Perguntou-lhe porque as lágrimas e a expressão de dor, de angústia.

Então, soube que aquele vizinho que lhe parecera tão simpático e bonito, agredira a jovem após atraí-la com uma rosa de seu jardim. Rasgara-lhe a blusa e aproveitara-se dela de forma tão vil! Porque o fizera? Pareceu-lhe um gesto animal, ou melhor, animais agridem para se defenderem. Mas, aquele vizinho teve uma atitude covarde...repugnante! Dera a rosa àquela jovem sem defesa, simples em sua modéstia... cobrara-lhe por ela.

Quanto valeria aquela rosa que já não se encontrava na mão da garota? Estaria, certamente, jogada ao chão...esquecida ou pisoteada. Quem sabe? Ah! O mundo pode ser perverso porque pessoas o são! Odiou-o naquele momento.

Odiou-se por ser tão ingênua em acreditar que pessoas eram tão bonitas quanto as flores, tão doces quanto os colibris, perfumadas como os jardins e delicadas como as borboletas... Aquelas lágrimas doloridas vertidas pela jovem... nunca as esqueceria!

Que triste despertar o seu naquele dia...

Naget Cury, Abril  de 2016.
Najet Cury
Enviado por Najet Cury em 28/05/2016
Reeditado em 28/05/2016
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