Quatro ângulos

Trazia em seu olhar o peso do silêncio. Dentro de si, incoerências. No vazio daquele ambiente, lembranças.

Um navio de emoções desatracou do cais, caminhando pelas águas de uma loucura sã, em direção ao horizonte perdido no tempo e espaço. Apenas mais um passo...

E partiu! Partindo-se em vários pedaços.

Ficou o silêncio. Incorporado.

Bateu asas e mergulhou no mar. Liberdade refrescante. Encarou o espelho das águas reencontrando o seu verdadeiro olhar. Abraçou o amor próprio e sorriu. Seguiu sua sombra e não mais só.

Tomava seu desjejum no café da praça como de costume. Olhando aquele quadro, dominava mais uma vez o desejo de pedir que o virassem. Tinha certeza que o artista que o criou pensou nisso. Um quadro, quatro ângulos.

Uma sombra invadiu seus pensamentos e um olhar penetrante sentou à sua frente. Finalmente aquele perfume, com quem sempre cruzava ao sair, chegou mais cedo. O tempo precipitava tirar o calor do café quando a sombra perfumada incorporou uma voz: “Não quero incomodar”.

Em vista das mesas vazias ao redor deu uma explicação: “O quadro!”. Fazia sentido...

Viu a sombra levantar-se e virar o quadro. Noventa graus de puro ímpeto. Foi tão fácil...

Novos entendimentos, luzes, formas. Sem ordem. O café esfriou mas tinha agora um sabor novo.

Do silêncio e daquele perfume marcante foi sua vez de levantar-se. Pagou a conta, colocou algumas notas de cem sobre o balcão e apontou para o quadro.

“É seu!” ouviu do dono do café. Agradeceu com um sorriso largo.

Anotou seu endereço num guardanapo e o fez suavemente pousar na mesa, contrastando com o olhar que acompanhou a retirada triunfal daquele quadro. A parede passou a figurar nua, saudosa, esperando novidades, volúvel.

“Estará em exposição!” Soltou a frase no ar e partiu, uma sombra nova, e de vários ângulos, fazia-lhe companhia. Não estava mais só...

Seria divertido voltar ali amanhã!

Fernando Antunes
Enviado por Fernando Antunes em 11/06/2016
Reeditado em 19/07/2016
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