"Morena, Linda, Sensual, de Olhos Verdes" = Romance = Capítulo 25

- O que você quer, cara? Dinheiro vivo não há muito. Jóias estão naquela gaveta da cômoda. Pegue o que quiser, mas não faça besteiras. Sou coronel da Polícia Militar, se é que você já não sabe.
Beluzzi constatou que o homem estava bem armado, era um veterano no crime, estava firme e nem um pouco excitado. Perigoso, portanto, pela frieza, não por sentimentos descontrolados. Calculou que o homem manietaria suas mãos, mas nada podia tentar no momento. Pôs os braços para trás e foi com irratação que ouviu o barulho das algemas sendo fechadas em seu pulso.
Depois de algemá-lo, o assaltante passou a empurrá-lo em direção ao quartinho pequeno no fundo do corredor. Abrindo a porta, empurrou o coronel para junto de sua família que já estava toda lá. E foi com ódio intenso que Carlos Beluzzi viu que as filhas estavam nuas e a esposa e as empregadas vestidas, mas controlou-se para que elas não corressem risco e perguntou aparentando calma:
- Ele fez alguma coisa mais com vocês ou só mandou que se despissem?
As filhas disseram que ele apenas mandara que se despissem e levara as roupas para longe delas. Só respeitara a mãe. Beluzzi não pôde deixar de pensar que até ele, no lugar do assaltante, não teria a mínima vontade de ver aquele bacalhau pelado.
Ordenando que o coronel se deitasse, o assaltante amarrou suas pernas e colocou um pedaço grande de esparadrapo em sua boca, com extrema agilidade para quem usava só uma das mãos, tendo a outra ocupada com a pesada arma. Depois levantou a esposa de Beluzzi e ordenou a ela que seguisse à sua frente. Ela teria que entregar a ele tudo que tivesse de valor na casa. Queria dinheiro, jóias, armas e tudo mais que pudesse transformar em dinheiro rapidamente. Caso a madame agisse direitinho, sem tentar qualquer truque, poderia depois vir desamarrar a família. O homem falava por trás do capuz e enrouquecia com exagero a voz para dificultar um improvável reconhecimento posterior.
Alguns minutos depois ouviram um tiro. Depois o silêncio total.
A porta do quartinho se abriu e o assaltante pôs a cabeça para dentro:
- Desculpe o mau jeito, coronel, mas a coroa pegou uma arma na gaveta e tentou atirar em mim. Tive que fazer um furo na testa dela.
As filhas de Beluzzi entraram em desespero incontido, contorcendo-se loucamente nas amarras, sem poder gritar, e Beluzzi ficou quieto, sem saber o que fazer.
O bandido bateu a porta, desceu a escadaria correndo e sumiu pela rua afora sem levar coisa alguma. Só tirara a vida da mal-amada esposa do tal coronel. Ia agora sossegado rua afora, certo de que cumprira a contento a sua missão, perfeitamente bem em todos os sentidos. Simulara uma tentativa de assalto, prendera toda a família em um cômodo, colocara a arma na cabeça da mulher e atirara à queima-roupa no meio da testa. Impossível qualquer possibilidade de sobrevivência, com aquele calibre e àquela distância.
Ao chegar ao meio do quarteirão um carro parou perto dele. Olhou para dentro do veículo, viu que era quem esperava e embarcou sorrindo para a mulher bonita que o contratara para o serviço.
- E aí, Zorro? Tudo certinho? Tudo nos conformes?
- Claro, madame. A senhora contratou um profissional experiente. A velha esticou as canelas e a família está presa em um quartinho. Vamos fazer o resto de nosso acerto agora?
- Claro que sim, meu amigo. Vamos comemorar o êxito de sua missão tomando uns chopes por aí, e lhe darei seu dinheiro. Aliás, o dinheiro está aqui comigo. Pode ir contando enquanto dirijo.
À medida em que subiam o morro da ilha Porchat, a caminho do restaurante escolhido, Eliane ia aumentando o som do carro. O bandido parecia estar gostando da música e do som altíssimo e, fechando os olhos, remexia o tronco e os pés acompanhando o ritmo. Nem percebeu que Eliane tirara da bolsa uma arma e a apontara para o seu peito. Com aquele barulhão da música ninguém que por eles passasse ocasionalmente ouviria os três disparos dados no peito do matador de aluguel.
Manobrando para voltar, e acelerando forte ao fazer a curva, bastou que Eliane abrisse a porta do carro, ao lado do passageiro, e esperasse o corpo cair pelo caminho. O corpo caiu, rolou um pouco e parou em cima de uma calçada mal cuidada, cheia de grama. Mas o dinheiro que recebera fora tirado antes da queda. As armas, a dele e a do coronel, continuaram enfiadas em sua cintura como provas do crime por ele cometido momentos antes.

Por alguns dias o coronel evitou visitar Eliane. Refreou a muito custo a vontade de vê-la e, por respeito às filhas, abafava a alegria de ter ficado viúvo sem qualquer participação sua. Era absolutamente normal que o bandido tivesse fugido sem levar quase nada logo após cometer um assassinato. Nem todo assaltante é um assassino a sangue-frio, assim como nem todo assassino é assaltante.
No dia ao assalto à sua casa, um corpo fora encontrado na rua, na subida para a ilha Porchat, e tanto o coronel quanto as filhas e as empregadas reconheceram de imediato o homem pela altura, pelo porte e pela cor que tiveram a oportunidade de vislumbrar por baixo do capuz de lã. Além disso havia a arma do coronel encontrada com ele.
Levantada a ficha criminal do homem não foi surpresa ver o quanto era grande, tanto em São Paulo quanto em Santos e adjacências. Inúmeros processos e prisões por assalto a residências, sempre à mão armada e quase nunca com violência desnecessária. Pareceu claro e indiscutível que matara Hilda Beluzzi porque ela tentara reagir e defender a família.



Eliane telefonou e expressou seus sentimentos de solidariedade, pesar e tristeza que se abatera sobre aquela família tão unida. Coitadas das moças...Deviam estar tão traumatizadas, tão sofridas. Chorou ao telefone e comoveu o coronel com a sua sensibilidade. Quando ele achasse que era a hora certa, que a avisasse ou que a procurasse. Ela estaria sempre à disposição dele e já não agüentava a separação, mas compreendia perfeitamente a responsabilidade dele perante as filhas naquele doloroso transe. Beluzzi sentiu que a amava ainda mais depois daquela conversa por telefone.

No dia seguinte à missa de sétimo dia da morte de Hilda, Carlos Beluzzi levantou-se às cinco da manhã, pegou seu carro e correu para a casa de Eliane. Entrou, despiu-se sem uma palavra e matou a saudade que seu corpo sentia do corpo dela. Depois fariam amor de novo. Com mais vagar, mais carinho, mas naquela hora estava apenas satisfazendo o desejo reprimido por tantos dias. Dormiram abraçados por várias horas.

-Engraçado, Eliane, você sabe muito bem que eu não suportava minha mulher, mas nunca, nunca mesmo, desejei que ela tivesse um fim tão triste, que ela morresse e muito menos que morresse da maneira que morreu. Volta e meia o rosto de Hilda me vem à lembrança e eu fico imaginando o pavor que minhas filhas passaram, e o pavor que ela mesma passou ao ver que não daria tempo de atirar no bandido. Difícil é pensar que ela pensou mesmo em reagir sabendo que as filhas, eu e as empregadas, estávamos todos amarrados lá em cima e à mercê dele. Ela não era desse tipo, mas a verdade é que estava com uma de minhas armas em uma das mãos. Fizeram o teste de balística e apareceram só as digitais dela no cabo da arma. Será que o desgraçado pensou que ela atiraria nele e atirou antes? Deve ter sido isso, porque o que ele queria era dinheiro, armas, jóias e acabou não levando coisa alguma.
- Não sei, meu amor. Só posso lamentar por você e por suas filhas se ela tentou reagir. A verdade é que foi uma heroína tentando defender a família. Se tentou entregar a arma, talvez não tenha sabido fazê-lo e assustou o bandido. Talvez a tenha pego pelo cabo e não pelo cano e ele achou que ela atiraria nele. Difícil adivinhar a verdade, mas de qualquer maneira é uma coisa tristíssima.

= Continua amanhã.
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 15/07/2007
Reeditado em 20/07/2007
Código do texto: T566476
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