Velha

Andava ligeira enquanto fumava o cigarro que fora esmolado de um rapaz com barba e olhos de revolucionário. Guardava ainda o jeito antigo de fumar: de súbito parava, colocava uma das mãos levemente em volta da cintura descarnada e, com a outra mão, segurava entre dois dedos o cigarro e esperava o primeiro conhecido do beco passar, chamando para qualquer asneira para lambuzar-lhe toda a cara de fumo. Gloriosa, deixava ver os dentes já moles e esverdeados.

Enxergava toda embaçada e com desbote a filha que, preguiçosa, se demorava a se levantar da calçada da Avenida. Marieta conversava com a moça que apareceu semana passada. Sabe-se que a novata apanhou de homem, andava com a cara toda roxa, preta, azulada, num colorido confuso que é a dor.

A velha largou o cigarro e veio sorrindo cobrir o chão:

- Sent’aqui, moça, sent’aqui.

Olhou para a Marieta encrespando toda a face, erguendo os braços cor de barro, quase escuros, mandando-a ir pra longe. A outra se aproximava.

- Venha perto.

Obediente, ela se sentou medrosa, abaixando logo a cabeça, na vergonha que era estar toda estourada.

A mão cor de ferrugem com cheiro de fumo forte tirou os cabelos pretos da moça, que atrapalhavam qualquer contemplação.

- Ai, que me lembro!

Com a cara atormentada, dolente, a perdida teimava cravar no chão cinzento os olhos, mexendo com os pés nas bitucas infinitas de cigarro – absorta.

Foi quando engravidou e tudo se deu no Britinho. Perdeu a casa e ganhou toda a fome sangrenta que lhe tapava os lábios. Não senhor, nunca deitara com outro homem, tinha uma decência medrosa e um querer áspero por Henrique. Ele enlouqueceu, enlouqueceu! Doido de ciúmes, afirmando que Brito era filho de um outro, de um desconhecido qualquer, saiu em uma quarta-feira e não levou suas roupas. Perdeu tudo, e das camisas já velhas de Henrique, fazia os trapos para deitarem em cima.

- Homem egoísta!

Mas, como era bom lembrar-se que um dia foi tão desejada! Mas, ele se perdeu...

- Tudo natural! Me perdi também.

Espremeu bem os olhos, entreabriu a boca deixando cair uma saliva ora cristalina, ora branco-amarela no queixo acriançado. Chorava difícil, sem voz, já não sabia mais... Sentiu a moça deitando a cabeça doída, esparramando-se toda em seu ombro. Encostou-se nos sacos de lixo azul, e como fazia um sol severo naquele dia, suava amarga.

Foi atrás do poste de luz que viu Marieta se escondendo, rindo pequena, com a ponta dos dedos segurando a boca, para não jogar gargalhadas sobre a Avenida, chamando junto um cabrito para abrir-lhe a boca, cheia de riso e bisbilhotice.

E as mãos velhas e manchadas de pedrinhas do chão agarraram assanhadas duas garrafas de plástico cheias de água de Britinho.

- Que te pego, Marieta!

Largou uma das garrafas deixando-a correr entre os carros. Abriu todo o peito para gritar:

-Ô Edmirson! Pega! Safada!

O moreno bom que lhe arrumava jornais quase todas as noites, agarrou Marieta sério. A garrafada no seu ombro vadiava dolorida, e mais duas ou quatro, deixando-a calma, doída e quente, enquanto toda a manhã se alastrava em seu corpo macio.