"Morena, Linda, Sensual, de Olhos Verdes" = Romance = Capítulo 28

Logo que o segurança chegou, em questão de segundos, a mulher passou a apontar Eliane enquanto gritava:
- Foi ela! Foi ela sim! Foi ela que me roubou um montão de roupas e pagou com cheques roubados na outra loja! Segure bem essa vagabunda, segurança!
Eliane ficou lívida, trêmula e indignada ao mesmo tempo. Não se lembrava daquela mulher, jamais a vira, jamais aplicara golpe desse tipo e muito menos em uma pessoa de idade tão avançada. A diaba da velha devia estar confundindo-a com alguém, com alguma vigarista barata qualquer. Apertando-se no braço do coronel Eliane pedia a ele, aos gritos, que fizesse a mulher parar de gritar e de acusá-la injustamente.
- Pelo amor de Deus, Carlos! Essa velha é louca! Nunca a vi antes em toda minha vida e nunca passei um cheque sem fundos. Tampe a boca dessa desgraçada, amor, pelo amor de Deus.
A velha gritava cada vez mais e Carlos, pegando Eliane pelos braços, balançava-a raivosamente, acreditando piamente em tudo que a mulher dizia.
Eliane acordou banhada em suor. Graças a Deus tudo não passara de um sonho mau, de um pesadelo horrível. Talvez um aviso de que não devia expor-se demais em São Paulo. Voltou a dormir muito tempo depois, prometendo a si mesma não esquecer de pedir ao coronel que deixassem para fazer as compras no Rio de Janeiro, a cidade mais linda do mundo e que ela até então não tivera a oportunidade de conhecer.

A viagem, por motivos alheios à vontade dos dois, ficou marcada para mais de dois meses depois. Carlos ficara preso a seus assuntos comerciais e profissionais e Eliane aproveitou para dar uma trabalhada, não agüentando ficar dentro de casa e quase que sem a companhia constante do amante. Estava com vontade de agitar um pouco sua vida e ganhar mais algum dinheiro extra.
Um anúncio em tamanho grande no jornal “A Tribuna”, de Santos, chamou sua atenção em um domingo. Através de uma foto enorme, triste, feia e mal tirada, com um texto pobremente redigido, e as condições de pagamentos em letras enormes, uma modesta imobiliária da cidade pretendia vender um loteamento na vizinha Itanhaém.
Vendedora nata e comerciante de nascença, Eliane logo percebeu que teria uma chance de ganha muito dinheiro vendendo alguma coisa em condições populares, ainda mais com prazo a perder de vista, e ao mesmo tempo ensinar ao pessoal daquela imobiliária, a troco de grosso lucro, como se deve trabalhar.
Não seria com aquele anúncio bobo, caro, efêmero e mal feito que eles conseguiriam algum resultado. Ela ensinaria a eles e encheria os bolsos em bem pouco tempo.
Estava mais que na cara, naquele anúncio, que o loteamento era coisa destinada a pobres. A pobres metidos a besta que, morando em barracos, sonhavam com a casa da praia.

No dia seguinte dirigiu-se à tal imobiliária que vendia o loteamento, demonstrou interesse na aquisição de alguns lotes e combinou com o corretor que lá iriam os dois no próximo fim-de-semana.
Não teve a menor decepção: o tal loteamento era mesmo a porcaria que ela esperava encontrar: mal demarcado, mal arruado, com quase tudo ainda por fazer, sem infra-estrutura alguma e bem parecido com um pequeno deserto africano. Em volta das “quadras” e “lotes”, apenas cerquinhas de madeira vagabunda pintadas de azul claro, de pouco mais de meio metro cada uma das ripas. Bonitos, naquele empreendimento, só mesmo os belos prospectos que o dono da área bancara para a imobiliária.
- Bela porcaria esse loteamento, seu Hilário. Vocês já começaram a vender ou os trouxas estão demorando a chegar?
O corretor, um dos donos da imobiliária, olhou espantado para Eliane:
- Olhe, dona Eliane, eu não posso afirmar que o loteamento seja mesmo uma maravilha, mas a senhora há de concordar que os preços são bons, a distância até a praia não é das maiores...
- A distância é enorme, os lotes são péssimos, o loteamento é horrível, não tem nada de atraente a não ser o fato de que aqui dá pra se ganhar, bem depressa, muito dinheiro.
Hilário, sem entender onde Eliane queria chegar, voltou a insistir que a distância até o mar não era tão grande assim. Eliane abriu seu melhor sorriso:
- Tudo bem, então, seu Hilário. Eu compro um lote se o senhor der uma corridinha até a praia e me trouxer, em menos de meia hora, um coco gelado. Ou um sorvete caprichado.
Hilário coçou o queixo pensativamente e acabou rindo:
- É, dona Eliane...Tem razão. O sorvete derreteria e o coco chegaria quente aqui, mas...
- Não tem mais nem meio mas, meu amigo. Você parece não ter entendido que eu disse que dá pra se ganhar um bom dinheiro aqui.
- E como, dona Eliane?
- Vou abrir o jogo com você, vamos deixar o senhor e senhora pra lá, o loteamento é uma bomba completa. Só vai valorizar, e se valorizar, dentro de pelo menos uns vintes anos. Então eu lhe faço a minha proposta e adianto que, se a imobiliária aceitá-la, sorte dela. Se não aceitar, azar de vocês.
- Proposta referente a que? À compra de lotes? Do loteamento todo?
- Calma, moço. Muita calma nessa hora. Eu jamais compraria um único lote aqui. Nem mesmo pela metade do preço e o dobro do prazo sem juros. Minha intenção é outra, bem outra. Mas antes me diga: quantos lotes são no total, no loteamento todinho?
- Sendo absolutamente exato: seiscentos e vinte e um lotes. Quatrocentos em tamanho único e o restante diversificado, incluindo os de esquina, que são maiores, é claro.
- Qual é o prazo que lhes deram para vender todos eles?
- Não foi combinado claramente com o proprietário, mas pelo menos uns seis meses nós teremos.
- E quanto mais depressa venderem tudo, melhor, não é?
- Claro que sim. O melhor dinheiro do mundo é o que vem depressa e muito.
- Pois bem, minha proposta para a imobiliária é de trabalho. Mas quero fazê-la em sua presença e na de seus sócios.
- Lote, nenhum?
- Nem de brinde. Obrigada. Agora vamos pra Santos.

A elegância, o charme, a beleza e a aparência bem cuidada daquela jovem senhora Eliane eram mais do que suficientes para bem impressionar os jovens sócios da imobiliária. Curiosos com relação à proposta que ela lhes apresentaria, foi sem qualquer dificuldade que marcaram uma reunião geral para a manhã seguinte, ocasião em que Eliane estaria melhor preparada para sua argumentação.

Eliane dominou a reunião desde o começo. Pedindo licença para ser absolutamente franca e direta, apontou os diversos erros cometidos no anúncio no jornal antes de começar realmente a explanar seus pontos de vista, e deu uma pausa logo depois de um de seus mais belos e insinuantes sorrisos.
- Digam-me a verdade, senhores: quando resolveram bolar e publicar esse anúncio no jornal os senhores consideraram-se bons o bastante para descartar uma boa agência de publicidade, não é mesmo?
Rindo, os quatro sócios concordaram e começaram a colocar a culpa um no outro, acusando-se mutuamente de muquiranas, espertinhos, gênios da propaganda e aí por diante.
Eliane esperou que o silêncio imperasse novamente e continuou sua argumentação:
- Notem que por enquanto estou falando apenas como leitora do jornal. Logo que o abri dei de cara com o anúncio. Estava bem localizado, mas sua única qualidade era essa. A foto, que devia ser a cores e linda, está horrível. A perspectiva, péssima. O texto de uma pobreza impressionante, sem contar os erros crassos de português. Acho quem nem todo o jornal necessitaria de tantas crases quanto encontrei só no anúncio. E, para finalizar, quem lê o anúncio fica em dúvida quanto e a quem ele pretende atingir. Está na cara que o público alvo não é aquele que ele pretende atingir. O público-alvo dele não recebe jornais em casa, não lê jornais e nem pode se dar ao luxo de comprar jornais todos os dias.
= Continua hoje mesmo.
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 19/07/2007
Reeditado em 20/07/2007
Código do texto: T571128
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