"Morena, Linda, Sensual, de Olhos Verdes" = Romance = Capítulo 29

- E o que você propõe então, Eliane?
- Em primeiro lugar, que me dêem carta branca para trabalhar. Torno-me uma representante de vocês, experimentalmente, por um mês. Se em trinta dias eu não estiver muitos lotes, caio fora, e vocês nada me deverão. Se eu vender muito, muito mesmo, a gente volta a se reunir e conversar em outros termos e refaz o acordo. A imobiliária tem dinheiro em caixa para investir em publicidade?
- Muito pouco. Quase nada mesmo. As vendas caíram muito e o anúncio no jornal custou muito caro. As vendas de imóveis andam um tanto quanto paradas mesmo.
- Pois bem. Quanto os corretores estão recebendo de comissão por lote vendido?
- Metade da comissão que nós recebemos. Bem entendido, a metade líquida. Rachamos também as despesas com os corretores.
- Que despesas, principalmente?
- A maior despesa atualmente é com a gasolina. Cada vez que levamos um interessado até o loteamento é uma boa grana que se investe.
Eliane ficou quieta por alguns instantes. Encarou cada um deles fixamente, pensativamente, e finalizou sua proposta:
- Bem, meus caros, eu quero a comissão integral que cabe à imobiliária em cada lote que vender.
Os três riram ao mesmo tempo e com a mesma intensidade.
- E a gente ganha o quê, moça? A experiência? E depois você sai com o capital?
- Não, meus caros. A imobiliária ganhará o mesmo que eu. Para isto, basta dobrar o valor da entrada, trabalhar direitinho, e todos nós ganharemos muito dinheiro. E em bem pouco tempo.
- Dobrar o valor da entrada...Fácil falar...Difícil é vender. Se com a entrada atual já está uma barra conseguir vendas, dobrando então...
Eliane riu com gosto.
- Claro que está difícil, rapazes. Vocês nunca ouviram o ditado “quando a esmola é muita o santo desconfia”? Tirem o santo do provérbio, coloquem o pobre no lugar dele e terão a explicação do desinteresse atual. Desculpe-me, Hilário, mas não deve estar difícil vender. O que há é que está sendo muito mal trabalhado o loteamento. Do jeito que eu quero fazer, posso garantir até por escrito que será mais fácil, mais econômico, mais eficaz e lucrativo para todos nóis. Explanarei todo o meu modo de pensar. Se vocês concordarem, tudo bem. Caso contrário não haverá problema algum. Não estará mais aqui, literalmente, quem falou. Bastará que continuem trabalhando como agora e esperar que o dono da área desista de trabalhar com vocês, o que deverá acontecer em breve. Quando o proprietário procurar outra imobiliária, oferecerei a ela meus serviços.
Os três sócios, impressionados com a segurança de Eliane, consultaram-se mutuamente com o olhar e pediram a ela que abrisse o jogo.
Eliane pegou uma caneta, uma folha de papel e explicou tudo que faria caso obtivesse a pretendida carta branca, mas avisou que guardaria para si, como um trunfo, um segredo particular, uma carta na manga. Um truque de vendas infalível que idealizara para aquele empreendimento. Este ela só comunicaria a eles depois da assinatura de um bem elaborado contrato de prestação de serviços com firmas reconhecidas em cartório. Estavam de acordo? Estavam.
- Então vamos lá, pessoal. Em primeiro lugar, nada mais de anúncios em jornais, por mais baratos que lhes possam parecer. Nada mais de qualquer tipo de publicidade cara. A entrada do financiamento terá seu valor dobrado, e no caso dos lotes de esquina, o dobro mais a metade. Despesas decorrentes de meu estilo de trabalho serão divididas em partes iguais, metade para mim e metade para a imobiliária, mas garanto-lhes que serão mínimas em relação aos resultados que pretendo alcançar. Levar clientes avulsos ao loteamento será sempre de responsabilidade única e exclusiva do corretor que assim decidir trabalhar. Nada terei a ver com isso e, de intrometida, aconselho a imobiliária a agir da mesma forma. Quantos são os corretores atualmente?
- Sete. Está difícil segurar o pessoal...
- Quantos homens e quantas mulheres?
- Quatro mulheres e três homnes.
- São bons corretores?
- Putz...Passam a maior parte do dia lendo jornal, conversando entre si, papeando no telefone ou simplesmente cochilando à espera de algum cliente. Quando saem, voltam em menos de uma hora. Já as moças são mais dedicadas, mais lutadoras e empenhadas em ganhar dinheiro.
- Então não me interessa trabalhar com os corretores. Por mim, podem dispensá-los de imediatos. Precisarei selecionar mais seis moças. Tudo bem?
- Por mim...Desde que a gente desencalhe rapidinho o loteamento...Sua carta branca já está valendo. Pode começar a agir como se a casa fosse sua.
Os outros sócios manifestaram-se concordando e a reunião terminou ali. Logo mais os “esforçados” corretores do sexo masculino estavam dispensados de vez da imobiliária.

Saindo da imobiliária, Eliane dirigiu-se a uma gráfica nas proximidades, na mesma avenida, e encomendou duzentos talonários, idênticos em sua aparência, aos utilizados na rodoviária de Santos. Cada um com cem passagens. Na parte de cima desta passagem, lia-se, em letras grandes “Grátis- Passagem de Ida e Volta a Itanhaém”, na linha abaixo, logo a seguir, o restante da mensagem: “Você é uma pessoa muito importante para nós. Por isso queremos levá-lo (a) inteiramente de graça, sem qualquer compromisso de sua parte, a Itanhaém, onde você poderá conhecer um maravilhoso Loteamento, em fase ainda de pré-lançamento e, se gostar, adquirir um espetacular lote a preços e condições incrivelmente bons. Entrada pequena e prestações que cabem com folga em seu bolso. Você viajará por nossa conta, em um ônibus moderno, com ar condicionado, tevê a bordo, toalette, e ainda receberá um lanche reforçado na ida e na volta. Basta você ligar pra gente e marcar o seu lugar, sem qualquer despesa ou compromisso. Saídas aos sábados e domingos. Reservas de lugares até 6ª,. feira. Promoção por tempo limitado. Telefone durante a semana para 234567789 e reserve o quanto antes sua passagem grátis.”
Eliane sabia que o texto estava um tanto quanto longo, mas era melhor ser explícita e correr o risco de menos leitura do que deixar muita coisa vagamente citada.
Depois da gráfica Eliane foi até o shopping Miramar e procurou o balcão de anúncios do “A Tribuna”, onde combinou um anúncio minúsculo solicitando moças para um trabalho rendoso, honesto e agradável. De preferência moças com ótima aparência, bom domínio do idioma, dispostas a trabalhar nos finais de semana. Dispensava experiência prévia.

Na segunda-feira à tarde Eliane já havia selecionado dez moças com a intenção de ficar com seis ou sete delas. Sabia que em dez selecionadas só seis ou sete voltariam no dia seguinte para iniciar o rápido curso de vendas que pretendia lecionar às que permanecessem.
Na terça-feira deu um rápido porém excelente treinamento inicial às moças. Mostrou a elas como se comportar nos ônibus, como conversar com os clientes em potencial, e como forçá-los, com suavidade, a assinar os contratos mesmo que estivessem totalmente desprevenidos no momento.
- Meninas, lembrem-se de uma coisa: no geral o pobre é o melhor pagador do mundo. Custa a comprar, a poder comprar, mas quando compra paga. E paga em dia. O loteamento que nós estamos vendendo é para pobres. Não se esqueçam. E não se esqueçam também que o dinheiro do pobre no bolso da gente é tão bom quanto o dinheiro do rico. Por isso temos que tratar cada um deles como pessoal muito especial. Muito especial mesmo. Pensem sempre sobre o que vou lhes contar, baseado em meus mais de cinqüenta anos de vendas...
Quando as moças pararam de rir dos “mais de cinqüenta anos de vendas”, Eliane continuou:
- É que eu, quando trabalho, trabalho tanto que cada ano vale por pelo menos três ou quatro, e assim...Eu sei que ainda sou uma criança...Agora, voltando a falar sério: existem algumas coisas sobre as chamadas classes menos favorecidas que vocês precisam saber. A primeira: pobre sem prestação a pagar é sofredor.

= Continua amanhã.
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 19/07/2007
Reeditado em 20/07/2007
Código do texto: T571229
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