Vestido Preto

Arrumou novamente a alça do vestido enquanto olhava os copos em direção as rodas vivas onde eram rapidamente aprisionados pelas mãos firmes que posteriormente direcionados às bocas, alguns de modo mais enérgicos que outros. Os mais cautelosos, como se a boca impedisse o desejo aflito do resto do corpo, imitando a recusa do pedido choroso à mãe da criança em frente à prateleira de doces do supermercado.

Antes da mente impedir mais uma vez sua vã e mesquinha distração, olhou os modelos dos vestidos. Curtos, apertados, sufocando as cinturas e os colos das mulheres dentro deles. Arrumou novamente a alça do vestido preto e desviou o olhar do decote avolumado passando à sua frente. Todas de cetim. Ela com um tecido leve, que pesando, não se prendia em nenhuma curva. Liso, nenhum detalhe. Preto. Quase tocando o chão. Até pensou em comprar o lilás com detalhes de lantejoulas sugerido pela vendedora. “Lindo” , exclamava. Chegou até a experimentá-lo, mas não, não era ela. Levou o preto.

Levantou os olhos assustados com o garçom ao lado oferecendo-lhe uma taça de vinho. Aceitou. Bebeu o primeiro gole, e o líquido tinto descia-lhe na garganta acomodado, suave e quente. Como que derramado de volta à garrafa de origem. Ainda sem desencostar o copo de cristal dos lábios tão carnudos quanto avermelhados, agora ainda mais intenso pela tinta da bebida, olhou para o outro fundo do salão, avisada por seu coração que finalmente tomou coragem. Talvez pelo calor chego com a última gota engolida.

Negros, rasgados, levemente voltados para cima. Fixou os seus nos dele. Irresistível não olhá-los. Tão encantadores, tão sedutoramente puros que facilmente enxergou sua alma transbordando sonhos e ideais. De amor também. Aqueles olhos tão sensíveis que subtraiam qualquer necessidade de palavra. O não-falado que sobrepunha as futilidades das conversas altas, das frases feitas, dos jargões, dos assuntos rotineiros. Aquele silencioso diálogo de duas almas, há tanto tempo ensaiado em seus respectivos espelhos internos para que no momento do encontro saísse perfeito, tão sincronizado que emudecesse todo barulho próximo. Ali, jamais possível ser parafraseado, palavras ainda não haviam para ele. Sentimentos.

O olhar era correspondido sem que se pudesse comparar com inferioridade. Totalmente recíproco. Por minutos permaneceram assim. A música não poderia ser ouvida por eles. As risadas sonoras, não mais contidas, tornaram-se sussurros lentos, e agora, mesmo que quisesse prestar atenção, não conseguiria. Demasiadamente baixas. Não importava, vontade lhe faltava. Finalmente encontrou, no silencio, uma conversa interessante. Surpreendeu-se por participar dela.

Então ele levou o copo até boca, vermelha, e bebeu do vinho ainda com os olhos fixos em sua retina. Imitou o gesto devagar. Tentou desviar, inutilmente vencida pela atração daqueles olhos pretos. “Quem sabe a que escuridão de amor pode chegar o carinho”. Recitou baixinho.

- O que disse querida?

- Nada titia – Disse depois de balançar rapidamente a cabeça negativamente, com a face corada, deixando transparecer a embriagues da alma e do corpo. Do coração. O barulho retornava aos poucos. Estava anestesiada, contudo.

- Ah filha, deixe-me apresentar Fernando, ele é filho da doutora Maria Teresa.

Sem muito tempo pra pensar foi levada para o outro lado do salão, parando um pouco ofegante na frente do dono dos olhos rasgados.

- Olá, tudo bem?

- Tudo sim, respondeu.

Às vezes as palavras estragam tudo. Tomou o último gole da bebida despedindo-se do belo momento. E curvou-se diante da efemeridade. Do vinho, do silencio, da alma, do vermelho.

- preciso ir ao banheiro, com licença. Disse depois de um certo tempo.

Saiu.

Agora se olhava no espelho, avaliando o vestido. Sim, combinava com ela. Fez sim uma boa escolha. As palavras estragam muita coisa. Por vezes, camuflam a alma. Impedindo de ser-se. Camufla a alma, refletida silenciosa num olhar quase sem querer ali exposto. Apenas percebidos por quem não acha a gravata de cetim azul marinho, azul elegante marinho. Para quem depois de ver o mergulhar nos olhos negros, via que a gravata destoava da harmonia dos pretos, acinzentados, estes devido aos cantos tristes presentes em qualquer olhar.

Vestiu bem. E saiu do banheiro após olhar seu perfil andando pelo corredor, naquele instante, vazio.

thais rey grandizoli
Enviado por thais rey grandizoli em 19/07/2007
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