Apenas correr...

As tentativas de achar a concentração devida fracassaram. O foco passou a ser a linha de chegada. Liberdade!

Não queria mais pagar o preço de ser atleta de alto nível. Seu corpo não era uma máquina e seu técnico, deus!

Queria apenas correr. Gostava de sentir as pernas executarem movimentos mágicos e ritmados.

Agora precisava desesperadamente correr. De tudo que via ao seu redor. Aquele não era mais seu mundo!

A partida foi dada e a calma tomou conta de sua mente. Era singularmente mais uma vida na pista.

Colocou a estratégia tão discutida no estágio automático. Queria assistir à retrospectiva da sua vida.

Fez-se silêncio ao redor e pode ouvir o som abafado de cada porta que fechou. Para poder abrir a do sucesso...

Ele estava ali à sua frente. E na frente de todas as outras vidas. Apertou o ritmo.

Aquela não era a estratégia mas decidiu ficar só! Junto com a lágrima que descia.

A última curva, a reta de chegada e mais uma lágrima. Uma vida passou, outra e quando a terceira emparelhou...

Mergulhou! Alcançou a reta de chegada voando. Ação incomum, mas permitida. Dores e um pouco de embaraço.

Durante anos olhou aquela foto e tentou lembrar dos três, quatro segundos finais que culminaram com sua ação.

Só lembrava de ter sentado, levantado devagar e buscado seu nome no placar. Quarto lugar. Não adiantou!

Tranquilizando a todos ao redor foi caminhando para trás. Voltou à pista. No passado aquele quarto lugar se encaixava.

O mesmo silêncio veio de dentro, seguiu-se um giro lento. Precisava olhar novamente a reta de chegada.

A emoção cresceu, mas não mais chorou. Queria realmente apenas correr...

No silêncio ouviu seu nome. Alguns rostos conhecidos, na arquibancada, vibravam muito.

Centenas de presentes na arena aplaudiam e gritavam seu nome numa pronúncia engraçada.

Olhando o placar viu que agora figurava em terceiro lugar. Medalha! Não precisava entender, mas tudo mudou.

Não queria que mudasse nada. Seguiu o caminho que era apontado. Abraçou todos que não reconheciam aquele olhar.

Não subiu no pódio. Não quis a medalha. Virou um mito.

Vendeu seus segredos. Com silêncio.

O livro que ajudei a escrever aguarda a sua morte. Não vejo sentido na publicação dele. Todos sabem dessas histórias.

Mas insanamente aplaudem cada pódio, cada medalha. O orgulho sobe com a bandeira de seu país. Para quê???

No fim queremos apenas correr...

Fernando Antunes
Enviado por Fernando Antunes em 20/08/2016
Reeditado em 20/08/2016
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