AVENTURAS LITERÁRIAS - EP 03 - ACADEMIA LITERÁRIA

Quem ouve a história, acha que foi inventada, de tão esquisita que é, mas juro de pés juntos, que a coisa se deu do jeitinho que vai aqui relatada, sem tirar nem por.

Numa cidadezinha do interior de São Paulo, daquelas que todos sabem o que se passa na casa do outro, antes mesmo da coisa acontecer, havia um sujeito talentoso, que escrevia em prosa e verso, usando palavras tão bonitas, que até os bêbados aquietavam o porre, se ele subia no coreto pra declamar uma tirada. E volta e meia estava lá o homem, papel na mão, de paletó e chapéu preto, subindo os degraus do gazebo, diante do olhar atento dos transeuntes e comerciantes, que paravam tudo só para ouvir o palavreado gracioso, que saía daquela boca.

Foi numa dessas ocasiões, que Floriano Feitosa, caixeiro viajante, ao passar pela praça do chafariz, deu de cara com o cidadão aos berros, anunciando seus versos, enquanto em volta era um silêncio só. Prestou atenção e viu que o cristão fazia coisa bonita, digna de estar publicada em lugar de respeito, e teve uma ideia luminosa. Esperou o poeta terminar seu ato, e foi cumprimentá-lo, apresentando-se como empresário e representante.

- Com o talento que Deus lhe deu, o senhor deveria se ocupar em difundir a cultura por toda esta região. E se estiver interessado, posso ajudá-lo a criar uma academia literária.

- Nesta cidade? Há onze anos escrevo e declamo, mas nunca alguém se interessou em saber alguma coisa sobre minha pessoa ou minha obra.

- Pois isso vai mudar, quando virem a academia literária . . . , como é mesmo seu nome?

- João Joaquim Modesto de Almeida.

- Bem que seus pais podiam ter-lhe dado nome melhor, hein? Mas até que dá para usar os dois últimos. Teremos então a Academia Literária Modesto Almeida, ou apenas A.L.M.A..

O escritor, embora prodigioso na pena, era pouco afeito a iniciativas ou negócios e foi na onda do estranho, crendo que recebera um sinal dos deuses, e que seu nome brilharia, dali pra frente. Acompanhou Feitosa, de repartição em repartição, até chegar ao gabinete do prefeito, e ali assistiu, espantado, à conversa do novo amigo com o alcaide, que era sem pé, nem cabeça.

O forasteiro apresentou-se como empresário, teceu enormes elogios a João Joaquim, e dizia não acreditar que a prefeitura ainda não o tivesse apoiado, em seu programa cultural.

- O senhor vai me desculpar, mas eu nem sabia que existia esse tal programa.

- Quando o poeta declama, está chamando o povo para dar-lhe de beber a sabedoria.

- O senhor fala bonito, mas não diz o que quer. É melhor desembuchar logo.

- Pois bem! Reivindico a criação de uma academia literária, tendo por fundador e mestre este nosso artista, sob os auspícios desta prefeitura, para alavancar a cultura no município.

- Se auspício é dinheiro, pode esquecer. A prefeitura tá no osso.

- Ele é admirado por todos. Seu gesto pode lhe render muitos votos na próxima eleição.

O rotundo prefeito pensou, coçou a barbicha e achou que aquilo fazia sentido.

- O Joãozinho já mora e trabalha numa propriedade municipal. O que posso fazer é dar um aumento de salário pra ele, por uma placa e mandar fazer uns panfletos de propaganda.

Feitosa sabia que podia conseguir mais com o tempo, mas aquele era bom começo, e já antevia seus lucros, pegando uma parcela do salário do poeta e a mensalidade de todos os interessados que apareceriam, após a distribuição da propaganda. Despediu-se do gestor e do poeta, combinou um encontro para três dias depois no endereço deste, onde funcionaria a tal academia, e voltou ao hotelzinho rampeiro onde se hospedara, sonhando com uma vida fácil.

Nem bem amanheceu tal dia, vestiu seu terno surrado, tomou um gole de cachaça e foi ao encontro de seu representado. Perguntando aqui e ali, andando um bocado, acabou dando no cemitério local. Estranhou que o endereço era o mesmo, e só então avistou, bem ao lado do portão de entrada, uma portinhola, aberta no muro, junto ao ossário, com a placa A.L.M.A..

Em poucos minutos descobriu que João Joaquim morava naquele “buraco” havia muitos anos, limpava túmulos e escrevia epitáfios para os interessados, a troco de algumas moedas. Seu salário, de dez moedas, fora dobrado para vinte, mas ele vivia mesmo era da caridade dos vizinhos e cidadãos, que levavam roupas e comida, em troca de alguns versos. Um funcionário da prefeitura trouxe os panfletos, onde se lia: “O poeta das ALMA, convida todos os cidadão a cumparecê no cemitério, pra aprendê seu ofício. E ainda ali puseram um desenho de fantasma.

Feitosa, decepcionado, saía de fininho, mas teve tempo de ver um senhor reclamar, que antes de entrar no cemitério, tinha de deixar na portinhola a arma. Tava escrito: A.L.M.A..

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 26/08/2016
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