AVENTURAS LITERÁRIAS - EP 04 - MUSA INSPIRADORA

Leonardo Nabuco Alcântara viera ao mundo premiado com muitas regalias, negadas à maioria dos seres humanos. Nascera em berço de ouro, fora mimado por familiares e babás, tivera acesso às melhores escolas e possuía beleza física, que o fazia alvo das atenções de muitas moçoilas (e até alguns marmanjos). Estava destinado ao sucesso. Porém, como o destino é cheio de caraminholas, apesar de poder se dar ao luxo de ter ao seu dispor as mais lindas garotas, cismou com menina acanhada, que acabara de conhecer na universidade em que estudava. Era sem gracinha, mal vestida, sem maquiagem, cabelo sempre preso, óculos fundo de garrafa, e nem olhava pra ele ou outro mortal. Vivia encarando o chão, agarrada aos livros, caminhando rápido e evitando contato a todo custo. Talvez por isso, ele a notara.

Passou a observar a guria, acompanhar sua rotina, conhecer seu trajeto costumeiro, viu a casa em que morava (pequena, velha, feia e pobre) e soube que sua família se resumia a um avô, bem velhinho, e sua mãe doente, que estava presa a uma cadeira de rodas. Quanto mais sabia, mais se interessava, até que não conseguia mais fazer outra coisa senão pensar em como se aproximar da garota, participar de sua vida, tonar-se seu par, namorá-la.

No princípio, fez segredo de sua paixão, ainda platônica, distante e obsessiva, mas não pôde evitar que estranhassem a troca da faculdade de engenharia pela de letras, que era a que sua amada cursava. Passou a evitar os amigos, as noitadas, o clube, e vivia rabiscando versos apaixonados, que a arrumadeira encontrava e entregava aos pais, que já estavam cismados.

Quando a mãe o inquiriu a respeito de suas estranhas atitudes, ele se esquivou e não deu nenhuma resposta, mas resolveu que chegara a hora de se declarar. Tomou coragem e foi até a casa de Luca (era o nome da menina), e quem o atendeu foi a própria.

- Oi Luca! Meu nome é Leonardo e vim aqui para conversar com você.

- Sei quem você é, mas o que temos pra conversar?

- Eu a tenho observado e gosto muito do seu jeito. Quero conhecê-la melhor.

A menina o olhava, aturdida. Seu avô, que tudo ouvia, convidou-o a entrar e ofereceu café, que ele detestava, mas tomou. Deu-lhe um pedaço de bolo de inhame, cujo aroma já era suficiente para enjoá-lo, mas, no calor da emoção, o gajo o encarou, enquanto a moça apenas o fixava, intensamente, sem piscar. Ele suava em bicas, mastigando aquela coisa dantesca, no maior silêncio, constrangido e com vontade enorme de fazer xixi. Foi aí que ela se manifestou.

- Vá, amanhã, neste endereço e fale com o doutor Caprioto. Sem perguntas.

Disse isso e o encaminhou para a porta da rua, despachando-o, rapidamente.

O pobre diabo ficou tão abestalhado que urinou na calça, e quando chegou em casa, teve de correr ao banheiro, pois seu organismo rejeitara o bolo numa velocidade vertiginosa.

O dia seguinte ainda lhe reservava surpresa maior. O tal doutor o recebeu, já cientificado de suas intenções para com Luca, e, sério, informou-lhe que a “menina” era hermafrodita. Só se vestia de mulher para agradar a mãe doente, e já estava em tratamento, que mais adiante se completaria com cirurgia, para definir-se como homem. O rapaz afundou na cadeira.

A decepção e o abatimento duraram bastante, porém a experiência trouxe à baila seu talento para a escrita. Triste e acabrunhado, a princípio, mas resignado e confiante, depois, viu nas letras sua vocação. Dedicou-se à literatura e gramática,tornou-se razoável escritor e poeta, com significativo trânsito no meio literário, e não demorou a eleger nova musa inspiradora.

Sua eleita se chamava Jô. Era tudo que sabia. Apenas uma sílaba, sem continuação ou sobrenome, mas era linda, esguia, sensual, insinuante e misteriosa. Sempre bem vestida e produzida, desfilava pela noite, nas baladas costumeiras, e lançava olhares. Que olhares!

Quis o pérfido destino que seus olhares se cruzassem, e ele, de pronto, tascou-lhe logo um poema, antes que a oportunidade estivesse perdida. Ela adorou, derreteu-se e, sorrindo, já o enlaçou com seus fortes braços, encaminhando-o, aos beijos e abraços, para um ninho de amor, numa travessa da boca do lixo. Ele, cego de paixão, nada via, senão os olhos da amada.

No entanto, o que os olhos não veem, o tato sente. Foi só quando acariciou o delta de Vênus da ninfa e encheu a mão, que o malfadado poeta percebeu o logro.

- Sabe, queridinho, meu verdadeiro nome é Josimar. Espero que isso não atrapalhe.

Leonardo levantou assustado, e enquanto olhava o corpo, cujo “mistério” acabara de descobrir, pensou, refletiu, mastigou a língua e resolveu que brigar com o destino seria inútil.

Olhou para sua musa, sorriu e se jogou de novo em seus braços. Musa é musa, né?

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 28/08/2016
Código do texto: T5742802
Classificação de conteúdo: seguro