O Garoto e a Ave

Certa vez uma pequena ave ferida, embora a criança fosse incapaz de saber o tipo de ferimento do animal e apenas imaginava ser em sua asa, apareceu na janela do quarto.

A criança, vira o animal, e logo percebeu que apesar de assustada, a pequena criatura era incapaz de fugir e por tal razão tivesse desistido de fugir, apesar da proximidade da criança ser cada vez maior.

A grande ironia e que poderia ter sido o azar fatal da ave, era que o garoto, como tantos de sua idade brincavam com seus estilingues e rifles de pressão, dados por seus pais a ensiná-los a caçar. Mas a criança jamais havia visto um pequeno ser daqueles, vivo, diante de si, ele sempre ativava contra eles, e quando alvo era certeiramente alvejado, apenas via-os mortos ao chão. Mas aquele era diferente, estava vivo, e soltando pequenos pios, o som era bonito embora melancólico.

A criança então pegou a pequena criatura em sua mão, e não sabia bem o que fazer, e mesmo assim sentindo que deveria cuidar daquilo. Escondeu-a no bolso de sua jaqueta, correu pela casa até encontrar uma caixa de papelão e a levou ao seu quarto, encaixando-a num canto, próximo à janela. Colocou o animal ali dentro. Buscou na mesma velocidade um pequeno pote e o encheu de água, e da mesma forma o fez com arroz e pequenos cereais, imaginando que aquilo poderia caber no pequeno bico da criatura, e novamente deixou as coisas na caixa.

Naquele dia a criança não saiu para brincar com as outras, e ficou observando o ser que dava alguns pulos, piava, comia e raramente bebia a água. E os dias passavam e a criança cada vez mais se encantava pelo ser. E os dias continuavam a passar, e agora, guiados pelo pio de seu coirmão, outras aves, aparentemente da mesma espécie se aproximavam e adentravam o quarto, indo em direção ao outro e ao alimento dentro da caixa, e a criança os observava.

O som que antes o levava à caçada, agora parecia uma doce melodia e que aprendera a amar com o passar do tempo.

E quanto mais via o ir e vir das outras aves e entendia a tristeza de seu pequeno companheiro na caixa, menos compreendia a razão da diversão pela prisão que seu pai dava às aves, ou ao desejo de morte que ele mesmo tivera e que as outras crianças eram instruídas a ter e nesse momento ela chorou, como nunca antes, em seu peito um terrível peso e remorso, como se a própria morte estivesse pesando sobre ela, e ela amou ainda mais o pequeno ser.

Um dia então ao acordar, a criança olhara direto para sua janela aberta, e ali estava uma pequena ave, a criança se aproximou, a criatura não se assustara. Olhou em direção à caixa, nada ali. Seu companheiro estava curado, voara da caixa à janela e estava pronto para voar para fora, rumo à sua liberdade. E quase como em gratidão e respeito, aguardara o garoto que a salvara se levantar para ver sua partida à glória dos céus. A criança acariciou a ave, e a mesma então voou, em seu canto de felicidade.

E então o som da morte. O disparo do brinquedo de morte, o som do rifle de pressão que a criança tanto conhecia. Seu peito se encheu de horror, e num impulso violento e instintivo, a criança saltara por sua janela, em busca de salvar sua amiga que caia.

E naquela manhã, dois corpos estirados ao chão, próximos e igualmente silenciosos, cercados pelo olhar de horror e desespero, gritos de incredulidade e dor. E dois espíritos voavam rumo à liberdade.

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