Maleta

Estava a andar, ouvindo a conversa entre o meu "quero" e o meu "devo", quando a avistei.

Uma maleta vermelha, velha, ou apenas mal cuidada. Varreu quase imediatamente todas as palavras ditas a mim mesma. Com ar de abandonada, me chamou como se pedindo para comprá-la. "Por que gastaria dinheiro com algo já tão usado?"

Quando voltei a mim estava com o embrulho em minhas mãos.

Em casa abri meu armário a procura de algo para colocar dentro. Nem passou pela minha cabeça porque faria aquilo se nem ao menos estou às vésperas de viajar. Não encontrei nada de especial para ali guardar. Já com um certo ar de decepção tentei enfiar a tal maleta em um canto esquecido do guarda-roupa e usá-la somente quando necessária. Mas algum tecido-qualquer-coisa me empediu. Peguei-o e senti seu cheiro, esperando o característico odor de algo guardado há tempos, mas um perfume conhecido permanecia conservado num miserável casaquinho. Achando coincidência demais todo o episódio, dobrei a roupa e na maleta coloquei.

Ouço ao fundo Summer 78, abro um sorriso nostálgico, tolamente pensando que apenas eu a escuto por ser em minha mente o lugar onde toca. Mas me engano. Há mais pessoas sentindo as notas no piano. Parece que meu coração passa a acompanhá-las. Onde toca então? Não me importa, na verdade. Digo apenas que é mais que o acaso.

"Eureca!"- penso. Guardo na maleta a música e tudo o que representa.

Sentada, pensando com meus botões o que farei pela amanhã(e falhando vergonhosamente ao tentar achar tão interessante coisa), percebo que estou com fome, ou vontade de comer, típica de Ari. Me arrasto à cozinha e, quando fussando na despensa, trato de encontrar aquele chocolate americano que até hoje estou curiosa para saber de onde viera, - lembrando que esta estória já me foi contada, mas insisto em me manter interessada - comendo-o, recordo-me de ter provado aquele gosto há um certo tempo, mas fingi não dar importância. Antes de terminá-lo, apresso-me para conservar o resto na maleta. Tentando adivinhar o que vem a seguir.

Quando volto ao meu quarto, encontro a tv ligada, com seu brilho azul tão conhecido. Observo as imagens tomando suas formas e cores, reconhecendo o que nela se passa.

"-Achei que talvez fosse maluca, mas você é interessante."

A imagem modifica-se.

"-Amélie ama: (...)"

Mais uma vez.

"-Eu teria te amado pra sempre."

Sinto-me arrepiada. Guardo tudo na maleta, como era de se esperar.

Agora vem talvez aquilo que aguardo a tanto. Sentir, de novo, uma última vez, que seja. Corro pela casa a procura, posso ouvir trombetas e violinos a distância. Acho que chamam nossos nomes. Meu coração está aos pulos. Agora basta segurar minha mão. E de fato, você segurou a minha mão.

Eu sabia que estaria novamente aqui. Abraço-o. E não precisamos nos preocupar, não é despedida, não desta vez. Que abraço! Parece-me que.. não, tenho certeza de que meu mundo está aqui.

Evaporou-se. Tudo. "Já sei." - penso. Colocarei, agora.

Jamais iria imaginar o que traria uma simples maleta, uma velha maleta. Guardo nela as sensações. Aquelas que levarei para onde for. Na maleta da lembrança, da memória. Se por um lapso de algo me esquecer, basta abri-la, que eu voltarei. Para você.

Sofia Fernandes
Enviado por Sofia Fernandes em 22/07/2007
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