"Morena, Linda, Sensual, de Olhos Verdes" = Romance = Capítulo 33

- Você é sempre dinâmica assim, Eliane? Já deve estar milionária a essa altura da vida...
- Que nada, Hilário. Detesto trabalhar muito em tempo integral. Eu ganho muito, gasto tudo e volto a trabalhar quando me dá vontade ou aparece uma boa oportunidade. Trabalho para viver, não vivo para trabalhar. Se eu achasse um meio de levar comigo o dinheiro ao ir para o inferno, aí sim, eu pensaria em ajuntar muito.
- Porquê? O inferno com dinheiro ficaria melhor?
- Não tenha a menor dúvida. Já pensou em quantos corruptos eu encontraria por lá para facilitar minha vida? Ou melhor, minha morte se eu chegasse lá cheia de dólares? Mas, falando sério,só existe uma coisa melhor que ganhar dinheiro e essa coisa é gastar dinheiro. Torrar dinheiro. E eu sou viciada nisso.
Alguns finais de semana foram suficientes para liqüidar todo o loteamento, Não havia mais um único lote a ser vendido pela imobiliária e nenhum corretor quereria pegar para vender uma desistência. O comprador arrependido que se virasse para passar a batata quente pras mãos de terceiros.

O sucesso na venda do loteamento chegou, aos poucos, aos ouvidos de quem possuía casas, terrenos, apartamento e outros imóveis para vender em Santos e a imobiliária passou a ser muito solicitada por toda a cidade. Teve que aumentar o número de corretores e progrediu a olhos vistos. Os três sócios começaram a enriquecer.
Um dia um senhor magro e muito simplesmente trajado chegou ao escritório e perguntou com quem deveria falar a respeito da venda de uma fazenda em outro município.
- Uma fazenda, senhor? Olha, moço, não sei se aqui pegam fazendas pra vender, mas o senhor poderá procurar pelo seu Hilário na segunda sala à direita.
O homem agradeceu à recepcionista e foi à procura de Hilário.
- Uma fazenda, meu senhor? Como é que nós poderemos trabalhar com um imóvel localizado a tal distância? Aqui a gente vende casas, terrenos, apartamentos, galpões, enfim, essas coisas da cidade. Um fazenda...essa é boa...Eu não saberia nem como avaliá-la, oferecê-la, negociar a coisa. Não é má-vontade não, o senhor entende; não é? Mas é que fora totalmente de nossa rotina de trabalho.
Eliane estava para entrar no escritório naquele momento, mas ao ouvir a conversa parou um pouco antes e ficou escutando o que Hilário dizia.
Quando o homem se levantou, despediu-se, e já ia se encaminhando para a saída, Eliane correu atrás dele e o chamou:
- Ei, moço. Por favor...Olhe, sem querer eu ouvi sua conversa com o Hilário e gostaria de falar com o senhor. Onde fica sua fazenda?
- Olha, moça, o lugar não é muito perto de Santos não, mas minha fazenda fica em um local privilegiado, maravilhoso mesmo em todos os sentidos. Só estou me desfazendo dela por motivo de doença séria, seriíssima melhor dizendo. O tratamento do câncer tem me levado tudo o que tenho, mas não tem me dado lá muitas esperanças. Se o seu colega não fosse uma besta quadrada, um idiota rematado, teria me dado atenção e poderia se tornar um homem rico em pouco tempo.
- Com a comissão da venda é que não seria...
- Claro que não. E eu nem pensei nisso. Ficará rico quem comprar aquela fazenda e loteá-la. Ela fica muito perto de Águas de São Pedro, cidadezinha famosa pelas águas curativas. O que eu não tenho, nem um pouquinho, é tempo. E tempo é tudo que eu preciso para uma última cirurgia de urgência. Uma cirurgia que pode ou não dar-me mais algum tempo de vida.
- Qual seria o valor da fazenda? Ou melhor, quanto o senhor está pedindo por ela?
- Muito menos do que a avaliação feita, moça. Estou me contentando até com pouco menos da metade pra ver dinheiro logo e poder me internar no hospital com uma reserva financeira. Só me restam agora duas alternativas: ou morro logo dono de uma boa fazenda ou vivo mais algum tempo apenas com uma reserva que tenho há muitos anos. Isso é , se o hospital me deixar alguma coisa na conta...
Eliane não pensou duas vezes. Levou o homem até o estacionamento onde deixara seu carro, perguntou se ele estava disposto a ir com ela até a fazenda naquele momento, teve a resposta positiva e acelerou em direção à cidade de São Pedro.
Poucas horas depois constatou que o homem não exagerara. Boa parte da fazenda situava-se em uma belíssima colina e em toda suas extensão permitia uma visão paradisíaca. Lindíssima. Comovedoramente bela naquele entardecer tranqüilo, ao som apenas da passarinhada próxima e ao longe. Além de possuir todos os melhoramentos possíveis, a documentação estava na mais perfeita ordem.
- Meu Deus do céu, seu Jeremias!! Este lugar é tão lindo que a gente chega a pensar que não merece estar nele...Parece pecado estar aqui...
Parou de falar ao notar os olhos de seu Jeremias rasos d’água. “Deve ser duro demais saber que a morte está nos rondando. Que logo nos levará de onde e de quem amamos...”. Sentindo-se engasgada, Eliane parou de falar.

Eliane fechou o negócio pagando apenas trinta por cento do valor real daquela imensidão de terras, mas mesmo que tivesse pago o valor real, integral, ainda teria feito um excelente negócio. Ao assinar o documento Eliane já havia delineado em seu cérebro a maneira como transformaria aquele negócio no primeiro passo da grande fortuna que ambicionava ter um dia.
Não demoraria nada a dar início ao loteamento Paraíso de São Pedro e sabia já que não seria exagero pensar em termos de mil e quinhentos lotes de tamanho grande, lindos, quadradinhos ou de esquina para vender aos paulistanos ávidos de ar puro, natureza, sossego e bem longe da sempre conturbada e crescente capital.
Cada um dos lotes teria um mínimo de setecentos e cinqüenta metros quadrados e as construções teriam que seguir um padrão mais ou menos igual entre si. Seriam, em sua maioria, lotes com quinze metros de frente por cinqüenta de fundos.

Logo que transferiu o dinheiro para a conta do agora ex-fazendeiro doente, Eliane colocou-se à disposição dele completamente. Queria ir para sua casa ou ficaria em algum outro lugar?
- Dona Eliane, eu só tenho um destino agora: o hospital. Se a senhora puder levar-me até o “Einstein” eu ficaria imensamente agradecido. Principalmente por poder desfrutar por mais algumas horas da companhia de uma tão bela mulher e pessoa. Mas, se não puder, não haverá problema algum. Eu entenderei. Posso pegar um Expresso Luxo que me deixará na porta do hospital.
- De maneira alguma, seu Jeremias! De maneira alguma. Faço questão absoluta de deixá-lo no “Einstein” e se o senhor precisar passar antes em algum lugar, estarei à sua disposição. Também quero gozar ainda de sua boa e simpática companhia. Independentemente de nosso bom negócio, foi um prazer conhecê-lo e quero voltar a vê-lo logo. Logo, forte e saudável de novo.
- Quem me dera, minha filha...Quem me dera....Bem, de qualquer maneira gostarei bastante de fazer essa, que poderá ser minha última viagem, ao lado de tão linda mulher. Vamos?
- Já me considero indo...

Conversaram bastante no caminho e Eliane reparou que aos poucos seu Jeremias ia perdendo as forças para conversar e parecia fazê-lo cada vez com maior dificuldade, como se fosse um rádio portátil no qual as pilhas enfraqueciam com certa rapidez.
- Minha filha, se você tivesse me conhecido há seis meses atrás, hoje não me reconheceria. Estou agora a metade do que era. Eu era um homem forte, disposto, que sabia gozar a vida e aproveitar o que tinha. Quando essa doença foi detectada já era um tanto quanto tarde. E por culpa minha. Relaxamento besta de quem se acreditava imune a doenças.
- Desculpe-me a curiosidade, seu Jeremias, mas porquê o senhor não ofereceu a fazenda a um outro fazendeiro?

= Continua amanhã.

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 23/07/2007
Reeditado em 23/07/2007
Código do texto: T576373
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