Manifesto Conservador

Capítulo I:

Nesta cidade não era diferente. No fundo era era um simples pedaço de fim de mundo, que caminhava sem eira nem beira para as chamas do abismo. A cidade era lar dos réprobos, dos excluídos, dos desafortunados que só pediam um pedaço de pão. A cidade tinha os clichês de uma cidade do interior. Tinha seus monumentos maltrapilhos, antigos, com tom de que cairiam a qualquer momento. Tinha a falta de liberdade. E as mulheres que queriam no fundo apenas amar. Mas que eram impedidas pelo muro das épocas. Tinham os homens que queriam ser livres para ter seus negócios, sem as amarras de uma burocracia tão mastodôntica.

Ali, eles eram, no fundo, muito felizes, sob os auspícios dos deuses que olhavam da imensidão todo aquele espetáculo. O espetáculo dos homens com suas peripécias matinais e sua luta contra a angústia da existência. Mas,não se engane se pensa que ali havia só tranquilidade. Ou que os deuses não tramavam podres conspirações. Não, nem um pouco. Havia quem conspirasse para desafinar aquela bela sinfonia. E seria logo.

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A praça estava lotada naquele dia. A praça queria falar a respeito de liberdade. Naquele momento, reuniam-se lá os poetas, esperando que desta vez o prefeito ouvisse suas diatribes. A praça poderia ser descrita como qualquer uma que existisse no meio do interior do Ceará. Arquitetura um pouco antiquada, com alguns matizes de modernidade. A sua frente existia a matriz, que dava um ar anacrônico àquele lugar tão semente do moderno. Sua construção, barroca, construída por volta de 1600, era muito bela para a ocasião. Do lado, estava a prefeitura, que fora construída sob um monumento do 1822, já muito velho. Havia até mesmo quem quisesse reformá-lo. O lugar parecia pequeno, havia gente demais. Boa parte deles eram jovens e abominavam aquele conjunto de costumes arcaicos que insistiam em barrar o crescimento da modernidade. Os jovens se vestiam muito a vontade para a ocasião. Para quem passasse por perto, pareceria que nem estavam tentando entrar em conferência com o prefeito. Vestiam-se como mendigos. Algumas mulheres usavam saias longas cujo rodado podia-se ver enquanto dançavam a música que preenchia o local.

Suas revindicações eram muito simples, pediam mais investimentos na área cultural, para que assim pudessem inundar aquela cidade com mais alegria. Abominavam as artes clássicas. Na poesia, achavam que métrica era um resquício de racionalismo cuja arte não conseguira eliminar. Abominavam pinturas que lembrassem a realidade. Achavam que a realidade era um engodo a ser superado. Não gostavam de histórias que tivessem começo meio e fim. Achavam que os padrões estéticos de uma sociedade racional-burguesa eram muito repressores para a nova modernidade que viria.

Odiavam Deus. E, claro, também odiavam a realidade. Odiavam os homens. E , também, suas desventuras por este mundo. Seus teóricos diziam que no mundo moderno, produto do racionalismo e do iluminismo, só havia tristeza e dor. Achavam que a modernidade devia ser superada. Que o sujeito era o mestre de tudo. E que deus, por fim, estava morto. E o que havia o matado? Seu amor pelos homens.( citação de Nietzsche) Viam no iluminismo o caminho para o totalitarismo. Acreditavam , no entanto, que só a centralidade do estado poderia resolver o problema. Vocês, caros leitores, podem ver que cairiam no mesmo erro.

Pediam que o estado intervisse em tudo. Ele devia financiar a produção cultural e, claro, permitir que a nova arte se proliferasse. O jargão deles era muito rico. Para tudo tinham uma terminologia nova. Inventavam epítetos para tudo, desde o tradicional autoritarismo das lideranças da cidade, até as formas de arte que alcunham degeneradas. Eles eram o espírito de uma revolta contra a sociedade. Construiriam , sob os escombros da razão e de Deus, uma nova forma de liberdade.

Tudo estava semelhante a um grande jogo de xadrez no inferno. O diabo queria ver os homens livres de todas as amarras que o impediam de entrar na nova sociedade. Para ele o racionalismo não era bom o bastante. O estado deveria crescer mais e mais. Aos poucos, se o utilizava de Belphegor ( demônio regente da inteligência), para crescer as garras de Leviatã. Tinha planos muito interessantes. Juntou seus melhores demônios para que Deus, enfim, perdesse. O inconsciente coletivo daquela cidade ficou um verdadeiro retrato do inferno. Com técnicas próprias criadas pelo próprio lúcifer, o quadro pareceria que iria trazer, novamente, a revolta de Deus.

A prefeitura, por fim, se encheu. E o plano estava montado. Logo, por toda a praça, ouviu-se largas palavras de ordem, com um cântico livre. Cantavam músicas de artistas famosos entre o novo grupo. Por vezes, se utilizavam de um jogo metafórico capcioso contra as autoridades da região. Gritavam todo tipo de impropério. Mas, sempre com um ar poético. Insultavam quem quer que passasse que tentasse diminuir o barulho. Às vezes, ouvia-se largas preleções com um tom jocoso e cheio de falácias lógicas. Mas não tinha que ousasse discordar.

Naquela noite, eles queriam o aumento de verbas para a secretaria da cultura. Ela era seu único sustento. Por vezes, tinha quem escutasse um poema muito ruim e maçante. Aqueles eram a larga hipocrisia do homem moderno, com seus medos e preconceitos sob a máscara da liberdade. E, claro, com largas palavras de ódio ao passado.

Era um verdadeiro fruzuê, se me permitem usar palavras mais moderninhas.

No entanto, observando aquela multidão ensandecida, havia quem fosse o germe de um homem sensato. Um iluminista que via de longe aquelas luzes do passado glorioso de sua revolução apagando-se. No fundo, sentia raiva. Ainda estava preso em suas antigas noções de verdade. Mas, logo que a luz de sua mente se apagasse, ele poderia ver que algo no fundo de sua mente gritava para estar certo. E ele, um dia, teria de ouvir.

Se querem saber, em sua mente estava em feição de preocupação. Sonhava com um conceito dissociado da práxis, o qual ele chamava de liberdade. Para ele, aqueles homens lutavam contra ela. E eram inimigos dela. Ele sentia como se aquilo o matasse por dentro, e que aquela ameaça às luzes fariam seu sonho escorrer para o fundo do poço. Como sempre, ele não pensava que a revolução está destinada a ser um dia fracasso. E que ele teria de se conformar com isto Logo suas palavras não seriam suficientes. Se se deseja mudança, sempre é necessário um radicalismo novo. E eles, no momento, eram o novo radicalismo.

Logo ele estaria se sentindo um inútil, e um ser para o nada. Pois se seus sonhos era uma sociedade justa, com liberdade, igualdade e fraternidade, logo não teria quem o desse. Ele teria de se isolar. Os jovens não queriam saber de nenhum resquício do passado. Nem de liberdade. Nem de igualdade. Nem de fraternidade. Só queriam saber de inversões típicas destes velhos conceitos, que logo não seriam também mais tão importantes. Ele era já um conservador. Da antiga revolução.

Sabe, aquela praça era um universo muito pequeno para tudo aquilo. E logo teria de findar….

Capítulo 2:

Ricardo voltou para casa. A situação o deixou estarrecido. Como aquilo era possível? Mal sabia ele que sua mente tinha sede de outra coisa. No fundo, ele desejava o belo, o bom e o verdadeiro. Aquela sede revolucionária não iria acender sua chama. Foi então, ao encontro de seus companheiros de revolução. Desta vez, os cientistas, os patronos da racionalidade. Sentiu-se muito feliz ao vê-los.

--- Temos que planejar um novo protesto! Desta vez algo grande! Senão o sistema metafórico-burguês vai ganhar.

Eles eram destemidos, mas, ao contrário de seus irmãos poetas, tinham uma dose de sensatez. Sentiam-se como paladinos do iluminismo. E viam que era necessário uma batalha contra o romantismo e a poesia para criar uma sociedade do nada. Não que não entendessem de arte. Muito pelo contrário. Mas eles abominavam as ideias de seus amigos poetas, e queriam os ver longe da política, pelo tempo que fosse necessário.

Como eles, não acreditavam em Deus, mas não achavam que fosse necessário se utilizar de alguma metáfora para dizer isto. Falavam, pelo contrário, com todas as letras: Deus não existe. E nada o havia matado. Pois, o inexistente não morre.

Criam que a sociedade deveria ser controlada por um comitê de cientistas qualificados e que, se estava do jeito que estava, era porque homens ineptos estavam no poder. Abominavam o prefeito. Pois, por ser um homem de pouca instrução, não estava sabendo lidar com os protestos que ocorriam nas ruas.

E eles estavam lá, no meio daquela casa um tanto antiga para as ideias tão modernas que portavam. Três cômodos, um terraço que apontava para o centro da cidade, pintura branca. E um cheiro de morfo. Eles haviam acabado de comprar a casa, e já tinham plano para ela. Lá fora, passavam centenas de estudantes do grupo dos poetas, que reclamavam ter de partilhar espaço com um ou outro cientista que passasse por ali.

A cidade era palco de guerra. E naquela rua não era diferente. Pouco a pouco, a multidão na rua foi se dissipando. Poder ia-se ver no alto as duas torres da igreja que parecia vigiar a situação. Tudo sob as ordens de Deus. E o prédio da prefeitura pouco a pouco foi ficando vazio. Havia poucos homens por perto. Uns poucos que ainda insistiam que deveria ter havido muito mais tempo de protesto.

As duas largas portas da prefeitura logo se abriram. Sentiram-se seguros. Por dentro podia-se ver alguns móveis modernos. Tinha uma secretária que anotava em sua escrivaninha tudo que alguém lhe ditava. Parecia que estavam querendo chamar alguém.

Pelos lados, via-se dois policiais que vigiavam os transeuntes que se preparavam para sair da praça. Tentavam diminuir a possibilidade de tumulto. A direita, entrando na igreja, percebiam-se fiéis que entravam para a missa das cinco da tarde. O padre certamente dirigiria longas palavras a pessoas que insistiam naquele tumulto revolucionário.

Pela praça, os quiosques se enchiam de jovens que estavam indiferentes a todo o clamor da situação. Deixem-me apresentar um fato: a história nunca é feita das massas, mas de minorias gritantes.

Na sede dos cientistas, Ricardo observava isso com toda atenção. Sua memória retornava para sua infância. Pensava em como aquela cidade era tranquila antes de todo aquele movimento. E em suas voltas pela praça a noite. E em seus sentimentos para com aquele lugar. Ele queria que ele estivesse em paz novamente, com toda certeza. E não tinha ninguém que o fizesse querer mudar. No fundo de sua mente, havia uma semente de fervor antirrevolucionário que logo iria se alastrar. E ele não pensava que fosse ser tão cedo.

Sentia medo do futuro. Delirava que aquelas pessoas, tão envolvidas em seus afazeres, não perceberiam que logo aquilo poderia levar para uma verdadeira carnificina. Pelo menos, era assim que ele pensava. E aquela chama crescia.

Pensava ser muito fácil querer destronar o passado. Percebia que muitas vezes é difícil entender o legado de nossos antepassados. Crescia mais um pouco. Tinha medo de que todo aquele ódio logo se voltasse para inocentes. Lembrou-se de uma vez. Quando voltava de uma manifestação. Enquanto via a voz dos indiferentes se dissipar no meio da multidão. Vendo aquelas fardas azuis fazerem a praça parecer um grande mar. Não foi ali, quando ainda tinha um pouco de fervor pela revolução. Quando a chama do conservadorismo ainda não brilhava na sua mente. Não foi ali que ouviu dizer que o ódio é a força motriz da revolução.

A palestrante parecia realmente ter sido sincera no que dizia. Nem queiram saber da verdade. Seus olhos ferviam. Neles eram projetados todas as revindicações do grupo que se iniciava. Na multidão, eles se tornam todos um corpo uno e coerente. Todas as palavras se tornam automaticamente a norma coletiva. E não tem quem possa entender as palavras de um único indivíduo no desespero de ser compreendido. Na multidão só existe um único ente responsável: o grupo. E não há ninguém que possa mudar isto.

No momento, ele ficou sem entender, e nem pensem que ele quis compreender alguma coisa. Por dentro a chama começou a brilhar, e ele só queria sair dali. Por que tinha que ser justo o ódio o motor da revolução? Por que não outra coisa? No fundo, parecia que revoluções eram a desculpa para ter a quem odiar. E ele não queria fazer parte disto.

Logo, ele se pôs no delírio de que houve uma revolução traída. E que ele era o sábio necessário para modificar toda aquela traição. No fundo, os atuais chefes não entendiam as palavras dos mestres do passado, e ele tinha que ensiná-los o caminho. Viu-se no terror de ser perseguido. Viu-se como se tivesse que travar uma revolução de um homem só. Sua mente entregou-se a mil elucubrações sobre como entregar a todos a nova mensagem. E , por mais que pensasse, viu que seria muito dificilmente compreendido.

Faltava pouco para que ele visse que não era nada disso, e que teria de lutar contra a própria revolução. Se refletisse, veria que era a própria ideia que era em si má. Ambas eram más. Ele não podia mudar isto. E assim se fez. Por fim, ele deixou a chama aparecer.

Então, só pensou numa única coisa. Sair dali. O mais depressa possível. Correu em direção ao centro da casa, falou com o líder revolucionário e despediu-se.

Sentiu que nada mais poderia detê-lo. Livre e sem dono. Com paz e liberdade.

Caminhou por entre a praça. Sentiu o vento bater de leve na sua face. Estava feliz. A esta altura, o sol já tinha se posto e, além de uns poucos transeuntes, havia pouca gente na rua. Foi em direção a um posto que tinha na rua próxima a matriz. Lá ele poderia comprar algo para comer.

Por dentro, ele estava sentindo-se como se todo o peso de uma era de enganos estivesse indo embora. Via que a noite estava ficando escura. No posto não havia ninguém. Falou com o homem da lanchonete. Por fim, foi embora para casa.

Capítulo 3:

Quando chegou em casa, foi logo ao computador. Abriu direto nas páginas dos dois grupos revolucionários. Os poetas planejavam um protesto para o dia 22 de setembro de 2010. Os cientistas marcaram para o dia seguinte. Era um suplício para ele não poder fazer nada. Tentava entender como a realidade poderia ter chegado a ser daquela forma. No fundo, sabia que não podia se eximir de culpa. E que era também parte daquele processo.

Levantou-se. Dirigiu-se a sala. Sua casa era um vão pequeno, possuía uma sala e dois quartos. Um onde ele dormia. Outro onde ele guardava alguns livros. Na sala tinha uma estante com a prateleira cheia de jornais e revistas. No seu quarto, além da cama e do computador, possuía um pequeno som onde podia ouvir música quando o tempo permitisse. Era, contudo, uma casa bastante simples.

Foi para biblioteca Lembrou-se que tinha de jogar alguns itens para fora. Pegou todos os manifestos positivistas e os queimou. Sentiu que não tinha mais porque guardá-los ali. Procurou pensar positivamente, agora tinha espaço para guardar novos livros.

Não queria mais saber de nada que lembrasse seu passado. Para ele, bastava a memória e só. Queria que os fantasmas ficassem longe dele. No fundo, sonhava que todos os homens fossem iguais, mas já não via porque lutar por isto. Pouco a pouco, o muro de suas antigas ideias seriam derrubados por novas revelações que o deixariam louco por dentro. No momento, não fazia ideia de quantas ilusões ele ainda mantinha. E nem queria saber. Achava que o momento era pra uma lavagem de roupa suja.

Por um momento, lembrou-se de um episódio que havia o marcado bastante enquanto esteve entre os revolucionários.

Era uma terça-feira, pra aquele dia, os líderes tinham marcado uma conferência especial. Tinham que discutir o futuro da sociedade, e como a cientificidade tinha que marcar seu espaço no novo projeto cultural que a prefeitura tinha trazido a cidade. Estavam num anfiteatro que se localizava em um bairro que ficava ao norte da matriz. Os círculos concêntricos logo ficaram poucos pra a quantidade de jovens que ali se reuniam. Gritavam o hino do partido. Mas, tentavam fazer isto da maneira mais sincronizada possível. Ricardo estava sentado numa região próxima ao palco, calado, ouvindo tudo aquilo e se sentindo bem.

Dentro dele próprio existiam apenas marcas de um passado que ainda nem havia começado a existir.

E a conferência começou. No primeiro instante os líderes do partido discursaram em ordem alfabética. Repetiram as mesmas coisas de sempre. Diziam que os poetas eram parte de um complô do prefeito para estragar o plano cultural. E que todos eram parte de uma conspiração metafórico-burguesa que prometia destruir toda a cientificidade. Alguém teria que atrapalhá-los.

Paulatinamente os discursos foram se passando. E no fundo daquela conferência havia alguém que não estava gostando nem um pouco daquilo. Ele borbulhava por dentro esperando uma maneira de falar.

A esta altura, vocês podem perceber que traição era um tema constante naquela revolução. Vez ou outra havia alguém que discordasse de alguma parte do manifesto e punha-se a dirigir diatribes aos líderes por distorcer a realidade. Ricardo não era o primeiro e nem será o último. Por todo lugar tinha alguém que pegasse o título de dissidente.

E aquela conferência estava lotada. O jovem talvez nem tivesse pensado no que poderia acontecer. Sentia suas pernas ficarem bambas, e sabia que não tinha ninguém para ajudá-lo. Tinha ciência de que qualquer palavra mal proferida poderia ser o caos.

No entanto, ele se levantou. E pediu que tivesse espaço ao microfone. Tomou coragem e proferiu suas palavras:

---- Meus camaradas! Espero que não entendam que tomo parte em um processo metafórico-burguês, nem que eu queira que neste mundo só respire loucura e poesia. Mas, é preciso uma posição intermediária….

E as vaias caíram por toda parte. Ele não sabia que seria tanto. Nem que todos passariam, num instante, a olhá-lo com olhares odiosos para o resto da vida. Estava condenado. Por um momento desejou que tivesse morrido antes de proferir aquelas palavras. O revolucionário não seguia o manifesto, ele era o próprio manifesto, e contrariá-lo na sua frente poderia ser uma afronta muito cruel.

Por um instante, pensou que ninguém fosse expulsá-lo, mas pensou em vão.

Ricardo voltou para a realidade. Por um tempo até que sentiu falta de seu passado revolucionário. Mas logo foi curado. Queria entender por que perdeu tanto tempo que aquilo tudo. Mas, percebeu que por mais sábios que fôssemos, logo teríamos de nos iludir com alguma coisa errada. O erro era o portal para a sabedoria, e ele tinha que entender isto.

Por um instante, quis voltar ao passado novamente , mas logo curou-se.

Resolveu voltar ao computador e fazer pesquisas a respeito de seu novo posicionamento político. Foi ao Google, colocou o verbete conservadorismo. Deleitou-se com o resultado. Viu que muitos na cidade partilhavam do mesmo posicionamento, e que tinha a oportunidade de conhecer gente nova.

Sabia que pessoas com este tipo de ideia eram odiadas até a morte . E que podiam ser até mesmo linchadas por grupos revolucionários. O povo, de certa forma, sempre é meio conservador. Como já tinha falado anteriormente a revolução sempre é um produto de minorias gritantes. Por vezes, mesmo que 99% do povo odeie um velho governo, isto não significa que todos apoiem uma empreitada revolucionária. O povo sempre quer que tudo seja resolvido da melhor maneira possível, sem sangue e sem armas. O povo não quer nenhuma revolução ou guerra civil.

Ele estranhou que houvesse tanta gente com as mesmas ideias. Não passou por sua cabeça que isto existisse. Portanto, resolveu desligar o computador e dormir. Amanhã conheceria estas pessoas.

Capítulo 4:

Faltava pouco para que ele percebesse que tinha uma grande jornada pela frente. No fundo, sentia-se com muitas dúvidas, mas sabia que tinha que seguir em frente. Já tinha começado, e tinha que ser aos poucos, passo a passo. Tinha que desistir da ideia de uma revolução traída, nada fazia parecer que isto fosse verdade. No fundo não passava de uma ideia que já tinha nascido corrompida, e não tinha nada, nem ninguém, que pudesse salvá-lo de sua corrupção.

Por vezes, Ricardo era um homem com um delírio narcísico, sentia que poderia ser o paladino da situação, salvaria a revolução das garras cruéis daqueles que a corromperam. Em outros momentos, ficava abismado sentia que tudo não passava de uma conspiração, e que certamente tinha alguém mais envolvido. Via que os revolucionários por vezes tinham dinheiro que nem mesmo o líder sabia de onde tinha vindo. Ele se perguntava como eles conseguiam se manter por tanto tempo. Era impossível. Ele sabia que eram largos os protestos e, com o pouco apoio que tinham de forças políticas, não poderiam conseguir se manter na ativa por muito tempo.

Tanto os poetas como os cientistas faziam largas apresentações. Por vezes espetáculos gratuitos. Com recitais e sarais poéticos. Com exposições e feiras científicas. Tudo com o intuito de disseminar o ideal do grupo. Lembrou certa vez de uma ocasião.

Lembrou que estava no centro cultural de sua cidade. Vestido a paisana. Os uniformes azuis poderiam o fazer ser percebido. Vestia-se com uma roupa amarelo claro, e com uma bermuda de tom laranja escuro. O local estava um pouquinho lotado. Todos estavam preparados para assistir uma apresentação de teatro, Ricardo tentou não ser percebido. Muitos poderiam saber de sua ligação com o grupo rival. Sentou-se num local próximo a última fila. Ouvia as conversas com aquele tom todo poético de sempre. Sentia-se como se estivesse em apuros. Sua mente já havia sido condicionada a odiar metáforas e recursos retóricos que, para ele, empobreciam a comunicação. Preferia uma comunicação direta e sem floreios literários.

E a cortina subiu. O silêncio reinou na plateia. O espetáculo tinha um cenário bastante simples, duas cadeiras de frente uma para a outra. Em cada uma delas estavam sentados dois atores vestidos com um macacão, um de vermelho, o outro de azul. Era uma peça pós-modernista, e propunha-se a retratar a realidade local. As luzes do palco, pelo pouco que entendia, pareciam de um padrão muito caro para o nível da cidade.O ator de vermelho falou:

--- A cidade agora é palco das luzes da poesia revolucionária!

E o ator de azul levantou-se e bateu com sua cadeira no chão. Falou também:

–- Protesto! Protesto!

E a cena era um retrato da batalha infindável entre a ciência e a poesia. Eles retratavam os cientistas de forma jocosa, caricata, um tanto cheia de clichês e espantalhos.

Vi que o local tornou-se pequeno. Logo os aplausos encheram aquilo de barulho. E, no final, tivemos espaço para perguntas. Eu, timidamente, com medo de ser expulso dali, me levantei e disse que tinha uma pergunta a fazer:

–--- Como vocês conseguem dinheiro pra uma iluminação tão cara?

E as vaias caíram. Logo levantou-se uma senhora um tanto ranzinza, que gritava do meu lado num tom fanático e estridente.

--- Eu sei quem é você! Você é do lado deles?

E todos passaram a gritar, o lugar parecia que estava no meio de um cenário de guerra. Alguns, que ainda tinham resquícios de sensatez, tentaram impedir que me linchassem. Sai dali o mais rápido que pude. Realmente foi uma péssima ideia.

E ricardo voltava para o mundo de sua imaginação. No fundo, ria de si mesmo. Aquilo parecia agora ser muito ridículo. Por que ele fez aquilo? E não mais tentei nada do tipo.

( notem que fiz uma mudança para primeira pessoa)

Ricardo voltou ao normal. O narrador, meus caros, também. Pensava que tinha alguém que financiasse isto tudo, E teria de descobrir quem seria.

Por sorte, passou na sua cabeça que um grupo anticapitalista, com ojeriza a tudo que pudesse vir da iniciativa privada, estava recebendo apoio de algum revolucionário.

Abriu o computador. Colocou o termo “revolução, cientista e poeta” na caixa de pesquisas. Viu que não estava enganado. De longe tinha quem financiasse isto tudo. Certamente com um interesse escuso.

Riu. Como poderia ter se enganado este tempo todo?

Logo estaria rindo deles. Juntou os livros que tinha e procurou um exemplar de um livro bastante antigo. Há muito já não lembrava que pudesse haver algo como aquilo na biblioteca. Era um exemplar cujo conteúdo fora escrito por um importante escritor da cidade.

Seu nome era: O que esperar do amanhã?

Foi até a sala. Olhou para que não viesse ninguém na rua. E escondeu-se do mundo por um tempo. O que mais poderia fazer? Isto ele não sabia. Agora tinha um plano a resolver, e tinha que ser logo.

Pagou as últimas contas e o aluguel. Tudo pra que não tivesse nenhum problema. Vendeu alguns de seus livros. Guardou apenas os mais importantes. Passaria um bom tempo longe dali.

No dia seguinte, ligou para o dono da casa Aproveitou que demoraria pouco tempo para que se encerrasse o contrato e acertou as contas. Nunca mais veria aquele lugar.

Achava tudo muito engraçado. Mas, tinha que ser assim. A vingança conservadora estava desenhada.

Capítulo 5:

Ricardo mudou de vida. Já não era mais o de antes. Alguns meses se passaram, e ele já vivia no submundo, chamando-se por outro nome. Já não tinha as mesmas ideias. Nem comungava dos mesmos princípios. Cria na liberdade. Mas não nos termos que a revolução dizia ser os corretos. Nem lia os mesmos livros de sempre. Por ora, seu guru era Osvaldo Aranha, que tinha escrito “ O que esperar do amanhã?”

Sentia que se encontrava nas páginas que lia. E que tinha muito ainda o que aprender. Cada página ele era apresentado a mais de 500 fontes bibliográficas, e passava horas na internet procurando um lugar para comprá-las. Muitos livros já estavam fora de circulação. Via que os argumentos do passado eram simplesmente risíveis. E que seus antigos amigos tinham muito a perder se permanecessem na velha chaga revolucionária.

Sentia-se em paz consigo mesmo? Mas é claro! Agora tinha muito o que fazer. Passava horas imaginando como conseguiria dar fim a tudo isto. E sabia que teria muito trabalho. Sentia-se novo, suas carnes estavam renovadas. E da Lua caía sangue e lágrimas. E muita felicidade.

Foi a uma pequena loja que ficava na esquina. Viu que ali não era conhecido por ninguém. Aproveitou-se da situação. Caminhou pelas prateleiras observando tudo com atenção. Procurava um item em especial. Caminhou para o balcão, tirou a mão do bolso e pegou o pouco de dinheiro que tinha. Pagou o item e foi embora.

Agora tinha muito o que fazer…

E no outro dia. Um grupo de cientistas estavam lendo trechos do manifesto para um grupo de novatos. Precisavam transmitir seus conhecimentos a novos membros. As páginas pareciam correr rápido. Aquelas pessoas estavam muito entusiasmadas. Geralmente, novos membros ficavam ansiosos para ir a protestos e fazer trabalhos intelectuais. Aquele grupo não era diferente. Por fora o grupo parecia bem harmonioso e sem nenhuma desavença que pudesse o desequilibrar.

Aquilo logo mudaria….

Logo chegou a noite e tiveram que sair. Naquele momento os guardas não ouviram na praça mais nenhum barulho. Nem mesmo uma conversa de jovens vagabundos que rissem de suas peripécias diárias. O que podia-se ouvir, simplesmente, era o barulho de alguns animais noturnos que cortavam aquele silêncio, dando um ar misterioso a situação. E não tinha porque ser menos pior.

Os guardas conversavam sobre seus problemas diários. A aparente tranquilidade do momento permitiu que tivessem um minuto de distração. Riam de aventuras que tiveram tentando conter instintos revolucionários. Aquilo, para eles era risível.

Logo, um som estridente cortou a tranquilidade da situação.

E quando viram, tinha um vulto negro pintando as paredes da prefeitura com uma pintura muito simplória e macabra. Para alguns revolucionários aquilo seria um acinte muito pesado.

E tentaram descobrir quem fizera aquilo. Viram apenas um homem mascarado que pintava o muro da cidade e fugia.

O vulto se dissipou no ar. Pulou um muro próximo torre da matriz. Antes disso, correu ainda alguns quilômetros , sendo perseguido pelos guardas que tentaram a todo custo pegá-lo, mas ele parecia muito veloz.

Por alguns instante até conseguiram pegar algumas de suas características. Um metro e sessenta e cinco. Nem muito gordo, nem muito magro. Pés um pouquinho largos. Usava um capuz largo e escuro. Uma roupa preta. Escondia os braços e as mãos com meias e luvas, e tinha ombros largos. Parecia ter em torno de 28 anos.

Era um jovem comum… Ou nem tanto.

No dia seguinte, todos puderam ler a frase no alto da prefeitura:

“ DE FATO, EXISTE UMA REALIDADE, A REALIDADE , NO ENTANTO, NÃO É IMUTÁVEL.”

Parece que o novo revolucionário conseguiu unir cientistas e poetas. Aquela praça se tornou um pandemônio completo. E não tinha ninguém que pudesse controlar.

--- O que é isto?

--- Mas tá errado. Muito errado. Alguém precisa ler o manifesto com mais atenção.

E era tudo muito risível.

Em algum lugar lá fora, Ricardo comemorava a empreitada conservadora com muita felicidade. E pode, finalmente, rir um pouco de sua desventura. Nem quis saber de se alimentar. Foi logo ler os jornais. Tanto os de revolucionários como os conservadores, poderia ver que tinha causado um grande alvoroço na cidade.

E nem queiram saber no que deu. Logo tinha gente acusando um ou outro grupo com um vigor um tanto suspeito. Alguns estavam tentando saber quem tinha cometido tal ato. E mesmo que ambos ficassem tentando jogar a culpa uns para os outros, ninguém poderia ter certeza do real líder da situação.

Logo tiveram manifestações. Queriam que o prefeito culpasse alguém por vandalismo. E fizeram, contrários a ideia geral que revolução não era por fins pragmáticos. Alguém tinha que ser culpabilizado.

E a noite foi de silêncio. Todos quiseram saber se ele faria uma pichação naquela noite, mas nada disso, tudo ficou muito tranquilo.

Naquela noite os revolucionários montaram sua o própria guarda, os poetas ficaram na parte norte, próximo a matriz. Os cientistas na parte sul, próximo a prefeitura. Assim poderiam ter uma vista geral de toda a praça.

Mas, não veio ninguém….

Capítulo 6:

Claro que não deixariam aquela situação correr por muito tempo. E logo teriam de reunir forças para vencer aquele mal em comum. E assim ocorreu. Os membros de ambos os movimentos resolveram fazer uma conferência, e destruir o mal que poderia destruir qualquer delírio revolucionário.

Era fato que qualquer pessoa sensata poderia saber que, no final da história, todos eram iguais. A revolução era apenas um pretexto para destruir a sociedade. Já que não se pode elevar tudo ao mais alto, nem expurgar de vez qualquer resquício de tradição. Resta-nos transformar as coisas aos poucos, revertendo qualquer regra moral e princípio que possa guiar.

No fundo, os revolucionários eram parte de um mesmo plano. Seus líderes talvez fossem iludidos pela ideia de uma inimizade entre a ciência e a poesia. Mas não. Quem havia criado aquilo tudo não estava nem um pouco iludido. E até mesmo ria de pessoas que achavam que de fato poderia haver alguma inimizade.

Antes que perguntem. O eu lírio não pensa que ciência ou poesia seja algo ruim por si mesmo, mas sua idolatrização é suficiente para causar grandes problemas. Portanto devo alertar que não devemos achar que aja uma autoexclusão entre uma coisa e outra. No entanto, é necessário lhes lembrar disto.

E a conferência foi marcada para o dia 15 de outubro. Tentaram, por toda maneira, juntar o máximo de pessoas para a ocasião.

Os círculos concêntricos logo se tornaram apertados. O palco estava linda mente decorado. Desta vez, optaram pela cor roxa. Decoraram o lugar com uma linda musa tentando derrotar o globo da ciência. Estavam ali para celebrar poucos minutos de paz, que logo seriam jogados para o ar. No momento, porém, era necessário união.

No centro do palco tinha um púlpito coberto por um pano de um lilás muito claro. O palco estava encoberto por um tapete de cor roxa. Alguns pensavam em declarar de vez uma paz muito específica. Mas não. Eles queria apenas derrotar o inimigo em comum.

E aos poucos as conversas iam rolando, as diatribes se iniciando. E muitos enlouquecendo. No fundo eles não se suportavam, mas tinham de juntar-se. Ao menos por um momento.

E o mestre de cerimônias iniciou seu discurso:

---- Meus senhores! Temos de derrotar este mal que impede nossas revoluções!--- A ovação foi geral. --- Não sei se conseguimos classificá-lo como um metafórico-burguês, ou um anticultural, mas suas palavras atrapalham ambos os nossos planos. Temos de nos unir.

As palavras de ordem começaram a se soltar. O prefeito observava aquele movimento de longe. Parecia interessado.

Aos poucos iam se discutindo estratégias para conter o furor conservador.

--- Alguém mais tem uma ideia?

E levantou-se um rapaz loiro. Alto, com aparência de alemão ou holandês. Todos se impressionaram com sua beleza. Dirigiu-se elegantemente ao palco. Andava com um tom muito leve, e quase ninguém ouvia seus passos. Ninguém imaginava que ele fosse surpreender a todos com seu plano.

--- Notaram que m dentre voz sumiu? Onde está Ricardo?

E todos olharam com um ar exasperado.

--- Ele pode nos ajudar. Domina técnicas de investigação.

E todos gritavam. “ Boa ideia!” No entanto, ninguém conseguiu achá-lo.

Pensaram que alguém havia o sequestrado. Sua casa estava vazia. Um homem de seu bairro disse que ele se mudara. E que tinha ido para outra cidade. Tiveram medo. Será que fora ele que se rebelara?

Não, impossível. Ele era um homem muito ortodoxo, certamente não faria isto. Talvez o conservador tenha o sequestrado. Pois ele parecia saber segredos como os códigos para invadir o centro da cidade.

Mas todas estas ideias pareciam improváveis demais. Onde estava ele? Riram da ideia. Seria ele o conservador?

No outro dia, antes mesmo que os primeiros revolucionários aparecessem na praça. Lá estava ele. Discursando no meio da praça e sendo ouvido por todos.

--- Meus irmãos! A revolução os traiu. Ela é má e necessita ser derrotada.

E as pessoas ouviam com atenção. No fundo, todos meio que já sabiam daquilo.

---- Lembrem-se de nosso irmão Oswaldo Aranha, que escreveu um livro cujo título nos convida a refletir sobre o futuro. E digo, tudo já estava lá previsto.

E as pessoas se reuniam no meio da praça.

--- Gente! A sociedade é um bem que necessita ser preservado! Ideias como as de construir uma sociedade do nada só trazem morte e genocídio. E ninguém quer isto, suponho.

E aplaudiram quando ele terminou.

Por volta das cinco da manhã, apareceram membros dos poetas, que observaram a cena de longe. Chamaram seus chefes. Apontaram para o homem que gritava ensandecido e disseram que ele lá estava.

Alguns começaram a se reunir próximos a rua que levava à bairros mais afastados. Alguns queriam segurá-lo e fazê-lo parar logo naquele momento. Uns Achavam que aquilo tudo era simplesmente risível. Chamaram o líder dos cientistas e disseram que mais um de seus membros tinha traído s revolução.

Ficaram observando a cena de longe e anotando tudo que ele falasse. Uma hora a vingança teria de ser feita.

Capítulo 7:

Deixe-me contar o passado do personagem, há algo interessante que vocês devem descobrir.

Ricardo via a imagem do globo terrestre com um ar de fascinação. Naquela idade já estava aficionado com a história do planeta terra. Naqueles instantes ele sentia-se em paz consigo mesmo. Poderia ficar ali por horas sem ver o tempo passar, apenas rindo das piadas de seu avô. Tudo isto enquanto ele contava curiosidades sobre o universo.

Na sua casa, ele também possuía um modelo do sistema solar. Ficava imaginando como seria ver a terra de fora, e gostava de vez por outra olhar as estrelas com o telescópio. Era um menino inquieto. Com facilidade de aprendizado. Mal ouvia algo e aquilo já ficava guardado em sus mente por muito tempo. Tirava notas boas. Era o primeiro da sala.

Naquele dia, ele ficou ouvindo seu avô contar curiosidades sobre a galáxia de andrômeda e queria vê-la no céu. Por um instante entregou-se a hipnose de ouvir aquele velho falar. Mas, por ironia do destino, o assunto da conversa teve que mudar. E mudou muito rapidamente.

Seu avô pediu para que se sentasse numa cadeira no fundo da sala. A sua direita ficava o modelo do sistema solar. E na parte a esquerda estava o globo terrestre. A janela ficava de frente para o sol no período da manhã, no momento era por volta das três horas da tarde.

Na janela, corria um vento fresco, alguns pássaros ainda cantavam. Ele só pensava em ouvir mais uma história sobre como era algum lugar importante no universo.

Seu avô, no entanto, o interrompeu:

--- Tenho que lhe contar uma coisa!

--- Do que se trata?--- Disse o menino curioso.

--- É sobre o tamanho do teu conhecimento, ele diz muito sobre você! Sabe, nosso cérebro é como um pequeno mundo tudo que sabemos está nele. Se sabemos pouco, nosso mundo se torna pequeno, por isto temos que procurar crescer nosso conhecimento sempre e sempre…

As palavras do velho encantavam o garoto. Pôs-se a olhar para fora da janela. E via as pessoas passarem com suas tarefas. Lá fora podia-se ver uma mulher com um cacho de flores preso ao cabelo. E uma menina que brincava com sua boneca, pedindo que sua mãe guardasse algo no bolso. Podia-se ver uma criança que chupava um pirulito. E um homem que contava alguma coisa no chão.

Ele não podia pensar que todos eles ainda estavam muito presos a seu mundo para poder ter o mínimo de conhecimento, e teriam de escapar da inércia para que saíssem de sua dormência.

E os dias se passaram e a curiosidade do garoto só aumentava. Sentia que tinha algo de muito importante para presentear a humanidade. E logo chegaria o momento de revelar seus talentos ao mundo. Sentia-se, na companhia de seu avô, em paz consigo mesmo. Sua alegria era doce em palavras.

Queria ser como ele. Queria ter tanto conhecimento. E na medida que crescia, dedicava-se a comprar o máximo de livros que pudesse. Logo teria de fazer sua parte, e transmitir o conhecimento que tinha aos netos.

Tornou-se um adolescente muito inclinado aos assuntos das ciências, e muito cheio de verdades que o deixavam louco para decifrar. Queria conhecer a Deus. Queria entender os homens. No fundo não sentia medo de nada.

Os dias foram passando, e logo vieram as notícias. O homem que lhe inspirava havia morrido. Viu seu mundo desabar como se por num instante. Nunca ele tinha se deparado com a morte tão de perto. E nunca sentiu-se por dentro tão atribulado. Tinha uma raiva profunda de si.

E o tempo parecia correr como se fosse eterno. Os relógios congelavam na medida que a noite descia. Teve que dar um duro para se livrar disso.

Sentiu-se só. Nunca tinha passado por sua cabeça a ideia de que todas as pessoas morrem. Nem que passar por isto era tão doloroso. Achava-se um ingrato. Não tinha dado-lhe bastante carinho. E tinha que ter tido mais momentos com ele. Queria ser feliz.

Lembrava que seu avô era conservador. E que via no conhecimento uma forma de preservar o legado dos antepassados.

Teve que ver todo o drama de um enterro numa pequena cidade. Das pessoas que perguntavam quem havia morrido. Dos fofoqueiros que queriam saber de todos os detalhes.

Viu o funeral passar como um vulto negro na história da sua vida. Via que o preto daquelas vestimentas apagava sua última esperança de vê-lo de novo. Ria de si, por dentro. Por que nos aflige o destino inevitável dos homens?

Cumprimentava amigos. Via o cortejo levar o corpo para o lugar do qual nunca sairia. Sentia ódio de Deus e dos homens.

Ouvia o choro de sua mãe e seus tios e sentia no fundo da alma a mais pura incompreensão. Abraçava-se com sua mãe. Via que poucos eram os que vinham lhe visitar.

A chuva do começo de inferno, por fim, escorreu. Homens se preparavam para descer o corpo psara sua última morada. E ele via as cordas deslizando o corpo para o chão. E sabia que teria de vê-lo pela última vez.

Viu que uma lágrima começou a escorrer de seu rosto. Sentia-se um homem forte.

E a cada segundo aquele corpo se aproximava cada vez mais de uma queda. Seu coração palpitava. Sua alma rugia por dentro. Ouvia a chuva apagar suas últimas lágrimas.

Sentia que tinha um ódio sem igual de Deus.

Aos poucos viu a terra apagar o caixão. E via que alguém resmungava sobre a fatalidade da morte.

Cada pedaço de terra que caía era uma lágrima que escorria.

Saiu um pouco dos braços de sua mãe. Queria ver a cena mais de perto.

Por um momento, imaginou os vermes comendo o corpo de seu avô.

Aquilo o deixou cheio de pavor.

Lembrou-se de todos os momentos que passaram-se. E viu, por fim, que não voltariam mais.

Viu os últimos pedaços de terra cobrirem o caixão.

E finalizou-se o primeiro drama de sua vida.

Capítulo 8:

Claro que os traumas da vida geram mais um idiota útil. O sofrimento é uma verdadeira fábrica de pragas para a humanidade. E o tempo passou. Muitas primaveras ainda brilharam nesta jovem cabeça. E muitos fatos aconteceram pra que ele ainda mudasse. O fato é que há uma realidade. Ela, no entanto, não é imutável. E nem muda o tempo todo.

Muitos de vocês devem estar perguntando como ele parou lá, no meio dos revolucionários. E isto tem que ser contado. Já se perguntaram se este personagem está um tanto tipológico para a situação? Pois, eu, como narrador, acho que tenho uma boa descrição de personalidade para lhes dar. E eis que ela chegará

Ricardo sempre foi um ser de idealidades. Parecia viver no mundo das formas platônicas. Idolatrava as estrelas, a racionalidade, o verdadeiro e o correto. Era, no entanto, muito poético para receber tal alcunha. Tinha momentos que se declinava a olhar o céu. E rir dos homens. No fundo, ele ria de si mesmo, vendo na realidade o espelho de si em toda a humanidade.

Amava a técnica. E A razão. Por vezes queria sentir-se como Deus. E ter a graça de brincar de divindade quantas vezes quisesse. Na ciência ele poderia ser livre da sociedade, e de regras, e de Deus. Por este motivo tão poético, ele amava a racionalidade.

E sonhava em ser cientista, mesmo que os mais atentos percebessem seus talentos poéticos. Amava escrever alguns artigos de vez em quando. Mas mantinha-os escondidos para não chamar atenção de ninguém. Queria ser forte como as ondas do mar. Queria desbravar os oceanos e a as eras infindáveis. Amava o espaço. Amava decorar fórmulas químicas e misturá-las ao léu para ver no que dá. Ria de si mesmo quando não sabia como consertar suas próprias peripécias.

Era, no fundo, um ser de graça e de sonho. Um ser de amor ao conhecimento, quase como um absoluto metafísico.

E passou o tempo, e as características de sua personalidade foram se desenhando como um projeto de uma divindade com dotes artísticos. Certamente, Deus se divertira muito criando este magnífico ser.

Na escola, ficava sempre entre os primeiros. E já era idolatrado pelo germe revolucionário que já começava a se arrastar pelo ambiente escolar. Sua felicidade era muita só saber que o progresso levaria a glória razão sobre o sentimento. E sua boca ao falar do assunto parecia declamar uma bela poesia. Talvez, por isto, tenha levado a alcunha de metafórico que o fazia ser motivo de certo desdém por alguns colegas mais ortodoxos.

Ricardo estudava no período da tarde. Pela manhã, ele ia ao encontros da incipiente reunião de cientistas, e tentava entender o princípio da nova ortodoxia. Para muitos, havia a crença de que a realidade era uma quimera. Tão imutável que não podia ser tocável. Ver dialética nas forças da natureza era uma grande blasfêmia.

Encaminhou-se a uma casinha próxima ao anfiteatro. Pequena, dois vãos, um com uma pequena biblioteca de clássicos do partido, e outra com um amontoado de 50 cadeiras dispostas em círculo. Lá haveria uma reunião.

Sentou-se próximo a biblioteca. Queria acompanhar as conversas. Logo a reunião iniciaria. Quando ela iniciou, pediu para tomar a palavra. E falou com seu tom eloquente de sempre:

--- Meus camaradas! O processo metafórico burguês pretende destruir as bases da ciência ocidental.

E a ovação iniciou.

--- Tenho um projeto de combate a esta ideia de fins tão abjetos. Permitam-me expor um pequeno plano trienal. Acredito que num período de três anos poderemos por para fora este entrave que tanto nos assevera.

--- Temos de iniciar eliminando ambiguidades na linguagem. E destruindo metáforas. Palavras devem ser ditas no tom mais direto possível. E literatura , meus caros, para que serve? Para falar mal da razão, é claro. Devemos permitir apenas artes que a glorifiquem . E nada de metafísica ou especulações teológicas. Juntos podemos ser maiores que Deus.

Riram enquanto o plano era declamado. A ideia parecia brilhante.

--- Bravo! Bravo! Camarada Ricardo.

E ele era, de fato, o homem da ortodoxia. Suas palavras pareciam traduzir o manifesto para as multidões. No fundo, ele era um homem político. Podia traduzir o inconsciente de sua turma e usá-lo a seu favor se quisesse.

No entanto, diferente dos outros líderes, ele parecia acreditar no que lhe diziam. Para ele, a ciência era realmente um absoluto a ser adorado. Ele guardava um asco de alguns líderes que distorciam palavras do manifesto, a seu ver. No entanto, não entendia porque muitos destes eram os líderes mais queridos. Odiava a si mesmo. Sentia-se inepto por não poder fazer nada.

Sua dor era estridente como uma metáfora bem colocada. Queria poder fazer algo para o seu povo. E sabia que não podia.

Para ele a ciência era jovem demais para ser traída. Dela dependia a sobrevivência da terra. Imaginava que tínhamos de passar por uma grande revolução tecnológica antes de sermos engolidos por algum asteroide que por ironia do destino caísse sobre a terra.

E punha-se a ter delírios imperialistas sobre o espaço. Queria colonizar aquelas regiões próximas a terra. Para ele marte era mais um pedaço de terra a ser explorado pelo homem. Para ele a razão não era propriedade de Deus, muito menos sua imagem. Mas sim, aquilo que fazia o homem ser o verdadeiro Deus.

E como não havia Deus que julgasse as desventuras dos homens. Nem os animais poderiam se equiparar a espécie superior. Restava dizer que ao homem era dado fazer tudo que quisesse. Inclusive tomar para si as regiões longínquas do espaço. Eu sou o único ser pensante que existe. Diz o homem.

E que riam de mim, o achem que suas metáforas belíssimas alimentam suas barrigas, vocês são uns inúteis. E riam da ciência. E abominem a razão. A verdade existe e ela desenha sua vingança. As leis da natureza sempre retornam. Dizia o rei da ciência.

Mas, logo aquilo teria de mudar.

Capítulo 9:

Vez ou outra Ricardo tentava uma desventura amorosa com alguma colega do Partido. No entanto, tudo que tinha era um grande azar. No momento talvez ele esteja em sua nova casa, lembrando de tudo isto. Passou-se o tempo, e ele adquiriu um forte bloqueio com mulheres. Seu corpo era nem muito alto, nem muito baixo, sua aparência era simplória, não tinha a beleza altiva de outros membros da organização. Era desajeitado, tímido. Abordava as mulheres de uma maneira ridícula e quase brutal. Não tinha nenhum assunto que envolvesse outra coisa que não fosse ciência e aventuras políticas. Talvez por isto não atraísse ninguém.

Mas, também, ele era um homem ortodoxo. Levava a sério a ideia de que sentimentos são distrações que devem ser de todo evitadas. Não queria que ninguém o atrapalhasse em suas rotinas e rituais diários. Era o homem dos dois seis , seis da manhã, e seis da tarde. Saía de casa às seis da manhã, voltava às seis da tarde. Pela manhã ia a faculdade, a tarde estava no trabalho. Por vezes, tinha quem o visse à noite em algum evento do partido, sempre bem arrumado e com sono. Às vezes até mesmo de mal humor.

Muitos falavam dele pelas costas. Este ai, de tão efeminado e indiferente às mulheres, deve ser homossexual. Devia ser expulso do Partido. Os líderes faziam de conta que nem escutavam. Ricardo, no entanto, sentia aquelas palavras gritarem nos porões de sua mente. No fundo ele queria ter a quem amar. E precisava deixar um legado. Para ele, era importante ter filhos e ensiná-los tudo que sabia sobre o universo. No entanto, parecia que não tinha uma mulher que o quisesse.

Sua sorte estava a caminho de mudar. Chegando em casa, pôs a mão em sua caixa de correio, procurou um documento importante por entre as cartas e, para sua surpresa, encontrou um bilhete rosa, com um coraçãozinho enfeitado e uma dedicatória. “ De uma amada, Amanda”

Ali percebeu que tinha uma oportunidade.

No dia seguinte, foi a trabalho com a feição muito alegre, quando ia atravessar a avenida principal, não percebeu que tinha um veículo vindo em sua direção. Quase que foi atropelado.

Recuperou o fôlego, passou a caminhar mais lentamente, chegou ao trabalho e vez ou outra parava para apreciar o conteúdo do envelope. Lembrou que a noite haveria encontro do partido.

A noite chegou.

No momento do encontro, todos se enfileiraram para saudar a bandeira da revolução científica. Cantavam os hinos da maneira mais afinada possível. Sempre tinha alguém que checava se tudo era feito de modo sincronizado. Ricardo não percebeu que tinha alguém lhe olhando.

À direita dele estava uma mulher, olhos claros, cabelos morenos, certa de um metro e sessenta de altura. Por alguns momentos eles trocavam olhares. E ele sempre reincidia com um sorriso muito calmo. Passaram boa parte do encontro nesta troca de olhares. Pareciam ter medo de se comunicar um com o outro.

Na cabeça de ricardo passavam milhões de pensamentos, cada um mais complicado que o outro. Falaria com ela? E se desse errado? Será que estou bem vestido? E cheirando bem? Cada pergunta o deixava mais nervoso. E ele não sabia o que fazer.

Na cabeça de Amanda, as conjecturas eram mais brandas, mas mesmo assim muito irritantes. Seria ele o cara certo? Ricardo parecia de toda maneira um homem espetacular, líder dentro do partido. Ela se sentia nos trapos.

E chegou o momento de se debater as conquistas da semana. Ele sentou-se numa cadeira próxima a dela. Tentou tomar coragem. E ficava cada vez mais nervoso.

Levantou-se. Viu suas mãos e pernas tremerem. Suava. Ela lhe olhava com um tom risonho. No fundo, não sabia o que fazer.

E pôs-se a pensar nas três tentativas que já perdera. Seria esta mais uma?

Numa a mulher jogou-lhe tinta na cara. Gritava histericamente, seu bruto. Ele havia lido que precisava ser mais ousado, roubou-lhe um beijo.

A outra saiu com ele uma vez. Depois foi vista com outro, comentando que achava-lhe muito chato. Nunca mais tentaria nada depois desta.

A terceira foi a pior. Gritou na rua que ele não era ortodoxo, que havia lhe feito um poema que, por sinal, estava fora de métrica. Que insulto a ciência e a arte clássica.

Seria Amanda a próxima?

Ao menos era o que ele imaginava.

Pressentia que tinha que fazer alguma coisa. Logo sua mente imaginou um fim que seria como uma tragédia grega. Preparava-se para morte.

No encontro, o líder do Partido começou a discursar.

--- Pelo bem da revolução, temos de proibir as metáforas.

Todos os dias era a mesma ladainha, às vezes era cansativo. E acha engraçado que ninguém nunca teve a coragem de reclamar. Naquele dia pareciam que estavam todos atentos, mesmo que não muito empolgados. Ricardo tentava prestar atenção na palestra, mas não tirava ela de sua cabeça.

Talvez seja só uma vedete. Pensava.

Será que ela está querendo tirar sarro de mim? Não imaginava que fosse isso.

Viu que todos se preparavam para os momentos finais.

Ouvia os líderes proferirem suas últimas palavras. Percebeu um ar de leveza na situação.

Ela não conseguia tirar o olhar dele. Nem ele dela.

Pensou em tentar falar com ela, mas tinha medo de que alguém o visse. As fofocas rolavam fácil, mesmo naquela revolução de homens tão sérios.

O que fazer? Pensava ele. Será que eu tinha que mandar outro bilhete?

E o fim da reunião chegou. Agora era ter outro dia de sorte.

Eric Deller
Enviado por Eric Deller em 27/09/2016
Reeditado em 07/12/2016
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