AVENTURAS LITERÁRIAS - EP 11 - UM AMOR DIFERENTE

Estou pleno de recordações, de emoções, intensamente, vividas.

Houve um tempo em que minhas palavras, em prosa ou verso, faziam brotar lágrimas em seus belos olhos, e um sorriso cativante, na tentadora boca, que tanto beijei.

Nossos diálogos, sussurrados, entremeados de carícias e olhares cruzados, desafiavam o tempo, a situação, e espantavam os circunstantes, que, desde o início, sempre apostaram na brevidade de nosso enlevo. Um poeta e uma engenheira, diziam, boa coisa não pode dar.

Lembro-me que, antes de conhecê-la, perambulava pela vida como um cigano, sem ter canto próprio, sem raízes, até mesmo sem objetivos definidos ou metas a alcançar. Não me preocupava comigo ou com o mundo, preferindo elevar o que parecia ser bom, e lamentar todo o mal recorrente, nos textos que brotavam do íntimo como borbulhas de nascentes naturais.

Tive aventuras, prazeres, mas nunca sentira a envolvência inigualável do amor.

Então a conheci. Numa fila, em um banco. Nenhum romance à primeira vista.

Estava nervosa, falava muito ao telefone, tinha os olhos marejados, consultava o relógio a cada minuto, e estava muito atrás. Eu seria o próximo a ser atendido. Num impulso irrefreável fui buscá-la, deixei-a em meu lugar e tomei o seu. Não teve tempo de dizer nada, antes de se dirigir ao caixa, mas na saída perguntou-me o porquê de minha atitude, antes de agradecer.

- Apenas senti sua necessidade. Prefiro vê-la sorrindo. Vá resolver seus problemas!

Ela, efetivamente, sorriu. Foi-se, mas escreveu em minha mão seu telefone.

Como uma bola de neve, nossa interação se desenvolveu num crescente contínuo, que de tímidas trocas de ideias e carícias, transformaram-se em avalanches emocionais. Corpos e mentes interconectados, como se fôssemos uma entidade indivisível, inseparável.

Contrariando todas as previsões, vimos os anos e as décadas consumirem o tempo à nossa volta, consumirem nossa juventude, mas deixarem intacta nossa união. Até o momento em que o destino, com sua frieza habitual, desfez os laços que me facultavam viver a realidade física onde se aninhara todo nosso pequeno mundo. Separamo-nos, do único jeito possível.

Meu corpo jazia inerte, enquanto minha mente voejava ao seu redor, sem ser notada.

Do desespero inicial à tristeza passiva, ela foi acomodando a solidão que assolava o íntimo. Respeitou meu desejo e levou o pó, recolhido do que fora meu corpo, até um remanso distante e nosso conhecido, espalhando-o nas águas calmas, onde vivemos ternos instantes.

Dedicou-se a difundir minha produção literária, que crescera, abundantemente, depois de conhecê-la. Lia e relia meus textos, chorando e rindo, dirigindo intensas emoções à minha solitária alma, que permanecia orbitando à sua volta e se alimentando de seus sentimentos.

Não demorei a perceber que meu egoísmo a prendia, mentalmente, às minhas carências e necessidades momentâneas, condenando-a a uma vida de ostracismo e decadência. Mesmo contrariado, insuflei-lhe sugestões diversas, e plantei a ideia de um novo compartilhamento, um novo amor. Ela repeliu, inicialmente, o que de mim recebia, mas foi, aos poucos, assimilando o intento, até se permitir enxergar a vida, novamente. E outro enlace não demorou a acontecer.

Vi quando começou a flertar, namoricar, mas assim que os encontros se tornaram mais íntimos, vi-me sendo afastado de seu convívio mental. Cada vez mais distante, já não lograva sentir o que se passava em seu íntimo, até que fiquei só, num lugar muito diferente. Demorei a entender que me juntara às águas do remanso, onde o pó de meu corpo fora espargido.

Não entendi porque o destino quis-me ali, mas aguardei, saboreando a paz do lugar.

Não sei quanto tempo passou, até que, mesmo sem as velhas orelhas, ouvi declamarem um de meus poemas. Agucei os sentidos mentais que me restavam, e, durante um bom tempo, vários de meus trabalhos poéticos foram, suavemente, recitados. Então vi o casal.

Ela estava linda, com o vestido branco que eu lhe dera, e ele, solícito, ajudava-a naquela homenagem que me fazia, com a leitura e mensagens pessoais, endereçadas à minh’alma. Ele participava com sinceridade, e parecia amá-la quase tanto quanto eu. Acho que chorei.

Sem que eu esperasse, os dois entraram na água e com os braços abertos, chamavam-me, pretendiam com isso acariciar-me, e para meu espanto, senti como se estivesse, mesmo, sendo acariciado. A emoção que me envolveu foi tão grande, que me senti arrebatado, levado por um turbilhão luminoso, de um jeito que não sei como explicar. Um novo mundo surgiu.

Entendi que aquilo era um recomeço. Como eu a libertara, ela também me libertou.

Não havia começo ou fim, apenas continuidade. Restara, como bônus, a saudade.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 08/10/2016
Reeditado em 08/10/2016
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