FEIRA DE CIÊNCIAS, EM 1981

Era manhã do dia 23 de setembro de 1981. Todos estavam aflitos, até mesmo quem não tinha participado das reuniões do grupo de trabalho, valia uma boa nota. Comemorava-se, também o dia da Primavera, estação linda, cheia de flores, pancadas de chuvas isoladas, relâmpagos.

No relógio da escola marcavam sete horas e trinta minutos. A feira de ciências daquele ano renderia uma ótima nota ao grupo mais criativo, trabalho inédito, suor à camisa e um prêmio surpresa dado pela Sra. Diretora. Os alunos estavam exaltados, mas com medo de não realizarem o trabalho tão almejado, por falhas de comunicação, por descuido nas pronúncias das palavras, por esquecerem a matéria decorada na ponta da língua.

Em um grupo, pode-se chamar grupo do faz de conta, onde os participantes não estavam nem ligando para o acontecimento, mas todos estavam afundados nas matérias e uma determinada nota em Biologia, em Matemática, em Português, em História e sobretudo Física tiraria muita gente das provas finais.

Cate, apelido de uma aluna, não se preocupou. O grupo em que ela estava faria uma apresentação sobre os sintomas do agrotóxico nas pessoas, principalmente as altas doses aplicadas nas verduras, vegetais e até mesmo na conservação de feijão. Assim, disse ela aos participantes:

- Minha nota está mais ou menos. Preciso tirar oito pontos neste trabalho. O tema escolhido é fácil.

Antônio, o mais rápido, disse:

- Dei muita couve para o coelho, apliquei, também, muitas doses de B H C nele. Se ele aguentar, poderemos ser o trabalho escolhido.

- José, talvez o mais aplicado e responsável para comentar o trabalho aos julgadores, muito preocupado com as possíveis consequências, não quis dizer nada, mas no fundo de seu coração, estava mais preocupado, pois os cartazes não estavam bem feitos, tinham alguns erros de ortografia, o coelho usado na exposição não dava tanta importância à couve misturada com BHC, o Vanderson, que só colava nas provas e se a comissão julgadora fizesse alguma pergunta a ele, não saberia responder e derrubaria todos os sonhos de terem seu trabalho julgado e os pontos serem anulados. Outro fator: Se o trabalho fosse classificado, ele seria apresentado na cidade regional do estado e haveria prêmio para os membros do grupo.

Pensando bem, o jogo estava lançado. Era vida ou era morte. Vida, se o coelho ficasse triste, cansado, doente e seria morte se o coelho estivesse correndo, sadio...

Pedro era o responsável para dar o veneno ao coelho, mas era meio distraído. Gostava muito de tocar um instrumento musical, pois ele era membro da banda de música local e treinava todos os dias. Seu sonho era ser sargento do Exército Brasileiro e tocar em Brasília para o Presidente da República.

O momento de abertura chegou. A diretora chamada Sílvia, muito brava, o respeito para ela tinha que ser nota mil. A comissão julgadora era formada, além da diretora Sílvia, pelos professores de Biologia, Física, Química, Português, Geografia e até pelo professor de Educação Física, também um grande admirador dos projetos dos alunos.

Em cada grupo que a comissão passava, várias perguntas eram feitas e os participantes respondiam ao pé da letra. Tinham trabalhos de cálculos mentais, folclore, história, literatura, receituários médicos, agricultura, abelhas, formigas, discos voadores, aviões, carro de boi, cadeia alimentar, etc...

Por ser uma escola muito tradicional, resolveram anunciar na rádio local e apareceu uma televisão para filmar. A escola estava repleta de alunos, professores, pais, curiosos, autoridades e até a inspetora estadual estavam presentes, acompanhando as apresentações.

No grupo de Cate, a expectativa era grande. Ele seria um dos últimos a serem visitados pela comissão. Em um dado momento, a professora de Biologia sugeriu que este grupo seria o segundo a se apresentar. Resposta positiva da diretora Sílvia. Após a apresentação do primeiro grupo, sem mencionar para a líder Cate, a comissão deslocou para o local, pegando todos de surpresa.

Bom dia a todos, dizia a diretora, sem muita graça.

- Bom dia, responderam.

- Por qual motivo o Pedro não está trajando a calça do uniforme?

Pedro respondeu:

- Sabe senhora Diretora Sílvia, no trajeto para esta escola, eu trouxe o coelho deste trabalho, mas o danado escorregou de minha mão e saiu correndo. Custei para pegá-lo. Cai, minha calça do uniforme rasgou. A senhora sabe, que a outra minha mãe está lavando e tive que vestir esta que estou. Sei que estou errado, mas a senhora pode entender, porque este coelho é duro para comer. Come tudo que vê pela frente. Meu pai quase me bateu, porque este danado coelho comeu a plantação de couve dele. Imagine que ele queria matá-lo para comemorar o aniversário dele. Seria cozido com macarrão, tomate, mas minha mãe sugeriu ser assado.

Desta forma, José, que era muito tímido, ficou vermelho e mal conseguia iniciar a explicação.

- A diretora, já bastante nervosa com a situação de Pedro, perguntou:

- Qual é o objetivo deste trabalho?

José começou a explicar, mas logo foi interrompido por Pedro, que assim falou:

- “ oia dona, nois tá precisando de nota, muita nota”

- O que você disse, irresponsável, engraçadinho... Forte falou a diretora.

- Desculpe senhora, mas ...

Pedro foi interrompido por José, que com sua arte de explicar, iniciou a apresentação do trabalho. José tinha uma boa oratória e pretendia ser padre. Explicou tudo, palavra por palavra. A equipe de televisão começou a filmá-lo, pois sua apresentação estava sendo a melhor e mais culta do que a primeira.

Em um de seus comentários, José dizia que os agrotóxicos são prejudiciais à saúde humana e o coelho também sofreria a interferência dos venenos. Muito aplaudido José foi e nesta euforia, disse para Pedro pegar o coelho e mostrar que ele estava tão envenenado que morreria o mais rápido possível.

- Ai, coelho filho de uma ... vá unhar a sua avó, filho da ... mordeu o meu dedo, filho da... , Pedro gritava tanto e só viu um vulto passar entre as pernas da diretora, que levou tanto susto, vindo a cair e começou aquele alvoroço:

- Venha até aqui, coelho filho da ..., que vou levar você para o jantar ... , dizia Pedro, com o apagador em mãos para matar o coelho.

Ninguém mais viu o coelho, que sumiu entre as pessoas, indo parar no quintal da escola e lá sumindo entre uma cerca de bambu que dava acesso a um pasto. Adeus coelho.

Depois da confusão arrumada, a comissão julgadora desclassificou o grupo, deu suspensão para o Pedro e o grupo foi todo fazer prova final. Uns passaram e outros foram reprovados.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 23/10/2016
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