O Recadastramento

No berço da instabilidade de um fim de governo contestado por muitos, insuflados por seus opositores, com muito trabalho foi eleito de novo. Porém os escândalos de corrupção, que vinha paulatinamente envolvendo a raiz do País e muitos políticos, assomado aos erros de direção, do governo eleito, conhecidos como “pedaladas fiscais”, numa crescente onda de atropelos caiu na impopularidade.

Notadamente enfraquecido em suas bases, muitas vezes atacado, o rei veio ao chão e com ele insurgiram contra o país mais inseguranças e muitas duvidas que levaram os investidores a não apostar no poder de recuperação da economia. Estava assim, o risco Brasil em alta, a inflação descalça e os governos internacionais, os governos latinos e o povo sem compreender a explicação de porão. Viram, gradativamente o processo acontecer e subir ao poder uma outra força, oriunda das mesas de almoços e jantares secretos, dos corredores escuros e dos gabinetes silenciosos. Não adiantou passearem na Paulista, discursarem em palanques das ruas, denunciarem a Onu e em rede de televisão pedirem desculpas e bradarem a manobra como “Golpe”, pois o cetro já estava em poder dos donos do sistema.

O país de economia fragilizada foi a lona e consigo levou milhões de trabalhadores. Desemprego, inconsistência politica, desordem e corrupção. Ambiente perfeito para os aproveitadores e propicio para grandes administradores, mas no limiar das tantas inconsistências pra ajustar a Economia, o governo que subiu ao poder notabilizou medidas para conter um gasto, que ele, em seu discurso não se cansa de predizer, que é do povo.

Nesse cenário muito conhecido dos brasileiros, de outras épocas, houve muitos incidentes, que não foram noticiados, por seu grau de significância pra mídia. Acontece que o governo posto no poder, adotou a postura de começar a trabalhar olhando o povo e se surgiu com a reforma nas aposentadorias. E já como premissa anunciou o recadastramento dos beneficiados pelo INSS, que se encontrava o senhor Antônio. Era funcionário da Petrobras, trabalhava num dos muitos petroleiros como braçal e teve algumas lesões nos ombros, nas suas pernas por conta do seu trabalho e que precisavam de reparos.

Já nessa situação por quase três anos, ele recém operado de um ombro, de uma perna teve que se submeter a uma operação na vista e não por acaso, dois meses depois foi chamado para o recadastramento.

Lá chegando todo enfaixado, com o seu filho de muleta, foi encaminhado pelo vigilante ao balcão, onde um funcionário, já mau humorado o encaminhou a um médico para fazer a reanálise do seu caso.

Então ele se encaminho pelas escadas, no terceiro andar, sem elevador e viu uma fila de aproximadamente trinta pessoas esperavam pelo médico, ou seja, seu Antônio era naquele momento o trigésimo primeiro.

As onze e meia o médico chegou com a cara de poucos amigos e entrou sem dar bom dia pra ninguém. A recepcionista, então entrou na sala levando o prontuário de todos os quarentas, pois agora já haviam chegado mais alguns. E o médico disse:

- O que! Tudo isso! Por que não divide essa turma, põe pra outro médico ou pra outro horário.

Com a expressão de subalterna, a moça nervosa falou:

- São ordens lá de cima, doutor.

E muitos puderam ouvir, quando ele replicou:

- Isso é um absurdo, eles fazem essas loucuras e nós temos que pagar o “pato”.

Mande entrar o primeiro. E nessa sequencia foi um a um sendo atendido.

Em sua maioria o quadro era o mesmo. Reclamação do beneficiado, que se achava injustiçado por voltar ao trabalho, ainda se sentindo doente, até que, lá pelas quatorze horas, chegou a vez do senhor Antônio.

Disse o médico:

- Entra o próximo. E entrou o garoto puxando o seu pai todo enfaixado, que sem muito aguentar esperar em pé pela educação do médico, assentou-se logo na primeira cadeira.

E o médico sem olhar muito o paciente disse:

- Mostre os seus papeis.

O Garoto tirou de dentro de um saco plástico, que tirou e dentro de um envelope amarelo os documentos exigidos pelo médico.

- Então seu Antônio como o senhor se sente? Perguntava o médico, que nesse minuto de simpatia ouvia e anotava o que o senhor Antônio falava:

- Bem eu fiz uma cirurgia recente, como o senhor pode ver.

Mas o médico nem deixou ele terminar e foi logo cortando:

- Levante meu velho.

Ordem devidamente obedecida, seguida de outras como:

- Bata palma. Curve-se. Bata os pés contra o chão. Aperte a minha mão. Sente-se de novo. E aquele senhor assentou-se e se acomodou. Seguindo o silencio, o médico fez uma rápida olhada, sem sair do lugar. Escreveu um texto no receituário e disse:

- Pronto senhor Antônio. O senhor está apto para o trabalho.

Num espanto de filho e pai, o pai questionou:

- Mas doutor, como eu vou trabalhar, não tem nenhum mês, que me operei da vista e ainda estou todo enfaixado das últimas cirurgias.

O médico deu uma boa olhada e observou:

- Moço. O senhor está olhado ali na parede àquele que parece um quadro.

-Estou sim, senhor! Disse o doente. E seguiu o medico:

- Aquilo não é o que parece é um certificado de melhor médico da previdência. Então se eu estou dizendo que o senhor está apto para o trabalho, o senhor está apto. E se não estiver contente vá fazer briga com quem pôs vocês nessa situação.

Senhor Antônio levantando com dificuldades conseguiu refletir e disse:

- É verdade doutor. Eles afundam o país em dívidas, em medidas desmedidas, promovem a festa da corrupção, abrem precedentes pra impunidades e tantas inversões de valores. Envergonham o País, com suas prisões, desviam bilhões e saem como celebridades e nós, que carregamos nas costas, dia a dia, esse país, somos os culpados, somos responsabilizados por todos os gastos e pior tudo isso por sermos pobres coitados, que pagamos tantos impostos e não temos direitos. Não há escolas, não há saúde, não há segurança, água de qualidade, trabalho, lazer e uma constituição que nos protejam de pessoas como você, que chega pra nos atender a essa hora, nos esculacha e nos manda embora e ainda acha que só o senhor tem o direito de nascer. Mas o que mais se lamenta é que as eleições estão nas portas e ainda, como vaquinha de presépio, vamos colocar esses, que nunca trabalharam de verdade no poder, pra só receber, gastar as verbas astronômicas postas a disposição deles, enriquecer com novas formas de corrupções e mandar a conta pras nossas casas.

No termino da parcial o médico se levantou e expulsou o senhor Antônio da sala, que capengando com a ajuda do filho ainda teve forças pra concluir:

- Doutor, mais uma parte. Me desculpe e obrigado. Não é culpa sua eu vou obedecer, mas quando eu cair, vou entrar na justiça, contra o senhor e contra o Estado, pois isso é mais do que um ultraje. É uma vergonha, que nos assistimos todos os dias na tv, quando muitos morrem de fome, de negligencia médica, de bala perdida, de descaso e principalmente de ignorância.

E saiu na hora do médico chamar outro:

- O próximo! Que pode ser você, em uma das tantas outras situações abordadas ou não.