- Você pretende levar todo esse dinheirão em mãos, moça? Olha que o risco é muito grande...Porquê não manda fazer a transferência para uma conta sua? - Acho que o risco não será muito grande. Ontem eu passei um cheque meu para o hospital e tenho que cobri-lo agora. E além do mais, só terei que atravessar a rua e entrar no Banco Geral do Comércio. Estou mais preocupada é com o restante do dinheiro. Terei que esperar Jeremias resolver o que fará. Como quem acaba de ter uma boa idéia, Eliane olhou para o caixa ar de profundo desamparo e perguntou: - Teria problema para você verificar quanto restou na conta dele? Olhe, o cheque em branco aqui, assinado por ele, acho que vale mais ou menos como uma procuração; não é verdade? O caixa pensou um pouco, por um curto tempo, abaixou o corpo e perguntou, preocupado, a Eliane:
- Você jura que não contará a ninguém que olhei o saldo pra você? Sabe como é, a gente tem normas a seguir, e como seu Jeremias é um cliente especial, tenho que ter ainda mais cuidado. O certo seria uma solicitação por escrito, dele, mas como você está com o cheque em branco, que é uma tremenda prova de confiança...
- Juro que não direi nada a ninguém. Nem teria porque fazê-lo. Mas, se for para lhe causar problemas... - Deixe pra lá...Vou olhar pra você. Eliane respirou aliviada. Quando disse ao caixa que se fosse para lhe causar problemas ele poderia deixar pra lá, o fizera com certo receio de que ele aceitasse a sugestão. Alguns minutos depois o caixa entregou a Eliane um papel com uma cifra. E que cifra!! Os zeros que precediam os dois primeiros algarismos eram o sonho de qualquer pessoa que quisesse dinheiro em grande quantidade. E mais uma vez ela demonstrou que era uma artista nata. Olhou para a quantia ali escrita com expressão de decepcionada, frustrada mesmo, encarou o caixa e disse como se falasse para si mesma:
- Ele me disse que era bem mais do que isso... - Alguma dúvida, moça? Quer esclarecer alguma coisa com a gerência?
- Não, não, meu amigo. Muito obrigada mesmo. Você foi extremamente gentil comigo e só tenho a agradecer-lhe. Acho melhor não ter que voltar ao banco, o Jeremias pode precisar de mim ao lado. Vou fazer o seguinte: preencho o cheque e você o visa para mim. Pode ser?
- Sem problema algum, moça. Apenas demorará um pouco mais porquê a assinatura terá que ser conferida com mais cuidado. A quantia, afinal de contas, é bem alta. Talvez o gerente ache que terá que entrar em contato com o seu Jeremias. Você compreende, não é?
- Claro que entendo. O difícil mesmo será falar com ele. Está sob o efeito de sedativo por causa das dores. Assim que o banco me liberar terei que providenciar uma ambulância para levá-lo ao hospital. “Tudo ou nada agora”, pensou Eliane “Vou me arriscar e entregar o cheque para o gerente verificar e autorizar. Seja o que Deus quiser.” Menos de meia hora depois ela saía do banco com o cheque visado, o que o tornava quase que dinheiro vivo, e corria ao seu próprio banco para depositá-lo. No dia seguinte sacaria todo o dinheiro e o transformaria em dólares e o Banco Geral do Comércio nunca mais veria a correntista Silvana Almeida G. Lopes. Feito o depósito, pegou o carro e partiu em direção ao hospital Albert Einstein a fim de cuidar do enterro de seu velho e muito querido amigo Jeremias, que conhecia de “tão longa data”. No dia seguinte visitou a imobiliária a fim de despedir-se do pessoal, abraçou e beijou Hilário carinhosamente, para espanto deste, por quem nunca mostrara especial carinho, e abraçou demoradamente cada uma de “suas”meninas, a quem desejou ardentemente muito e muito e muito sucesso na vida. Às três que considerava as melhores entre todas, cochichou em seus ouvidos que logo lhes telefonaria sobre uma chance maravilhosa que lhe aparecera. Alguns dias depois a fazenda que pertencera ao velho Jeremias recebia a visita dos engenheiros encarregados de planejar seu retalhamento em belos e grandes lotes. Eliane queria lotes bonitos, arruados, bem demarcados, bem delineados. Exigia que o loteamento tivesse a apresentação mais linda do mundo. Queria um loteamento no qual as pessoas chegassem e ficassem babando de vontade de morar ali de vez e não apenas manter ali uma casa-de-campo, fugindo de vez da bagunça e da poluição da capital paulista. Para a portaria do loteamento escolheu uma belíssima casa pré-fabricada dotada de todo o conforto. Pagou a encomenda no ato do pedido em troca de um compromisso assinado em cartório de que a mesma seria entregue no dia aprazado ou o construtor lhe pagaria uma multa bastante alta. Hospedada em um bom hotel de Águas de São Pedro, o menor município do país, Eliane ia todos os dias ao loteamento fiscalizar o andamento das obras, o trabalho dos tratoristas, o corte da vegetação que lhe permitiria manter as boas e grandes árvores que valorizavam o local, e, principalmente, a demarcação exata de cada lote com os excelente mourões de cimento que encomendara e pelos quais pagara bem caro. Quando considerasse pronta a área toda, pretendia selecionar alguns lotes e reservá-los para especulação futura. Fazendo e refazendo as contas, pedindo diversas avaliações em imobiliárias da região, Eliane conseguiu chegar a um preço definitivo para a primeira fase, para os primeiros cem lotes que colocaria à venda e que, lógica e comercialmente falando, não seriam os melhores entre os melhores. Seriam os de tamanho padronizados, os que estariam mais ao alcance de uma não tão pequena minoria. Depois que estes fossem vendidos, os preços dos outros sofreriam as alterações impostas pela inflação da época e da conseqüente valorização da área em vista das vendas já efetuadas. Seu lucro seria fantástico no final das vendas, mesmo descontando-se as despesas bancárias, de publicidade, despesas imprevistas, e em pouco tempo ela estaria rica. Assim que terminasse de vender o loteamento para a classe média alta paulistana. Muito antes que o loteamento ficasse definitivamente pronto, Eliane viu, com surpresa, um enorme helicóptero sobrevoar suas terras. Era evidente que estava inspecionando tudo lá do alto, de ponta a ponta, em detalhes, visto que o veículo subia e descia lentamente. O barulhão da hélice, naquela calmaria absurda de região, irritou-a profundamente e ela correu para o escritório a fim de esperar pela possível visita do observador das alturas. Logo depois o helicóptero aterrissou e um homem grandalhão e extremamente bem vestido saiu dele e dirigiu-se ao escritório.
- Com licença. Com licença. Dona Eliane? - Sim senhor. Sou Eliane sim. O que o senhor deseja?
- O loteamento. - Um lote?
- O loteamento. Diga quanto quer por ele todo e eu farei o cheque. - Por enquanto minha intenção é vender apenas lote por lote, senhor. Não me interessa vender o loteamento todo. O senhor gostaria de reservar alguns lotes?
- Não, dona Eliane. Quero comprar a área toda. Quanto a senhora quer?
- Não quero vender.
- Façamos o seguinte: eu lhe enviarei minha proposta por escrito, a senhora a estuda com calma e depois me diz o que acha. Está bem asssim? Farei uma proposta irrecusável, mas apenas uma e uma única vez. Unindo a ação à palavra, o homem arrancou uma folha de um bloco na escrivanhinha, rabiscou ali uma quantia e voltou ao helicóptero sem despedir-se.
 Quando o homem já ia longe, Eliane pegou o papel, leu a enorme cifra, leu os números de telefone que ele ali deixara, leu o nome do poderoso empresário e jogou o papel em uma gaveta.
- Não fui com a cara dele...
  Mas seu coração estava disparado depois de ler a cifra que ele lhe oferecia. Valeria a pena pegar aquilo tudo de uma vez e sossegar para o resto da vida? Ou seria melhor dobrar, triplicar a quantia mesmo que levasse bem mais tempo? Era coisa pra se dormir e acordar pensando no assunto.

= Continua amanhã.
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 26/07/2007
Reeditado em 28/07/2007
Código do texto: T580174
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