A Lenda do Água para o café

Contava dona Graça, aos seus netos, abaixo do sombreado das árvores do quintal, num luar terminal, da Rua do Fio, quando a energia elétrica da Celpa foi-se sem avisar, que nos idos da Belém da saudade, quando dona Flor faleceu e os vizinhos, da época eram mais do que família, se banhava os mortos pra depois enterrar. Por aquela lembrança, veio à tona um fato, que segundo ela aconteceu de verdade e começou a discorre:

- De súbito dona Flor, uma das maiores tacacazeiras do norte, veio a óbito dormindo.

Um corre, corre se instalou no interior daquela casa, que ficava localizada na Bernaldo Couto, próximo a Doca. Parentes, amigos, vizinhos e curiosos logo multiplicaram dentro e fora da residência. No quarto da dona flor, alguns parentes e amigos discutiam quem iria banhar o corpo, pois naquela época era comum, com falado anteriormente, banhar o corpo pra depois vestir e vela-lo.

Já era cinco e qualquer coisa da manhã, quando as indicadas, dona Zulmira, mais Rosa e Eulália foram cumprir a tarefa, e assim, também prestar homenagem a falecida.

Como desde aquela época também, em Belém era como hoje, a falta de compromisso e respeito com a população, faltou água no local. Mas que foi deficitariamente sanada por jovens dispostos como Betinho e Júnior, vizinhos, que se dispuseram em ir lá João Balbi, na casa do professor Waldir e pegar quatro baldes de água.

Na chegada, com a casa repleta de pessoas esperando foram as pressas deixar no quarto os baldes, pois as senhoras tinham pressa em lavar o corpo da dona Flor. Como a água era pouca lavava-se e aparava-se a mesma água para o bom aproveitamento do mineral. No final, Rosa pegou dois baldes reaproveitado da água, que sobrou do banho e os deixou na cozinha, com a finalidade de jogar no quintal, mas foi interrompida por seu Leopoldo, que reclamou da força que a mulher estava fazendo e disse:

- Ora mulher, onde tem homem, mulher não trabalha. Dê-me aqui, que eu levo. Pra onde devo jogar?

E Rosa disse-lhe:

- Jogue lá no fundo do quintal sobre os jasmins. Dito isso, a moça voltou pro quarto pra ajudar as outras a vestir o corpo. Por sua vez o homem, que estava na entrada da porta da cozinha, com os baldes, distraiu-se com o chamado do seu Manduca, por cima da cerca e descansou os dois baldes ainda no chão da entrada da cozinha e foi dar ouvidos a pergunta:

- Otaciel, o que foi que houve?

- Ah meu velho, o senhor ainda não soube, a Dona Flor nos deixou.

Os dois comentando, lamentavam e exaltavam as qualidades da falecida. Enquanto alguém na sala reclamou:

- É o primeiro velório, que eu venho e não servem café pra matar o sono. E muitos emendara a reclamação, sob murmúrios daqui e da li. Imediatamente Zenaide, filha da dona Flor, na correria foi a cozinha, juntamente com Diná sua irmã e se esmeraram em fazer o café. Acontece que com a falta de água, as duas procuraram água como obcecadas a procura de algo precioso no deserto. E se depararam com dois baldes na saída da cozinha, aparentemente normais. E Diná, mais do que depressa tomou posse de um, e o derramou um pouco noutra vasilha e deixou o balde sobre o girau a meia água, enquanto, Otaciel, entretido e sem notar, colocava a prosa em dia com o senhor Manduca.

Zenaide servia o café e Diná entregava as bolachas para os amigos, parentes, vizinhos e curiosos. Justamente no instante que o corpo foi a sala. Muita emoção, gente se abraçando, pessoas chorando e as filhas em estado deplorável de dor, quando Otaciel se despediu do senhor Manduca e se deu conta do tempo, voltando às vistas pra entrada da cozinha procurando o que havia deixado e só encontrando apenas um dos baldes com água.

Sem saber muito o que fazer, por não entender o que houve com o outro balde, cumpriu parte da tarefa e foi a sala, quando a comoção estava no ar, alguns trazendo flores, outros chorando, uns se abraçando, exaltando e cochichando algo. Então, no meio daquele ambiente se sentiu constrangido em sair perguntando pelo outro balde. Viu a garrafa de café passando e nem pestanejou, tomou pra si um copo e seguiu o cortejo, quando encontrou Rosa, que lhe perguntou:

- Otaciel você jogou fora aquela água.

Sem saber ao certo o que responder falou:

- joguei só um porque o outro sumiu.

Rosa intrigada respondeu:

- Como assim sumiu?

- Não sei. Deixei uns minutos no chão da cozinha pra conversar com o senhor Manduca e quando me voltei o balde havia desaparecido.

Diná, que passara por lá ouviu falar do balde e inocentemente interferiu:

- Do que vocês estão falando?

E Otaciel sem deixar Rosa falar explicou:

- É sobre um balde com água, que ela me pediu pra molhar o jasminzeiro, e ele desapareceu.

E Dina falou:

- Ah deve ter sido aquele que pegue pra fazer o café.

Mais do que depressa Otaciel, outra vez disse:

- Ah então tá explicado e solucionado o caso.

Quando Rosa atônita e sem pensar, se deixou levar pelo susto e soltou em voz alta, no meio da sala um imenso:

- Não!

Por um instante o cortejo da defunta tomou outra direção e o foco caiu direto na entonação da voz da moça. Todos os presentes involuntariamente e voluntariamente direcionaram suas atenções pra aquilo que a moça iria concluir:

- Meu Deus, vocês são loucos, aquela água foi a que banhamos a mamãe. E dei a você Otaciel pra jogar fora nos pés do jasminzeiro.

No tempo que se seguiu, mais quem passou mal. Era gente colocando as mãos na boca puxando o vômito e uns ainda murmurando, enquanto outros num estágio de loucura gritando:

- Meus deus nos deram água da defunta.

Quando as proporções iam avançar para um descontrole, o Padre Leite, que já estava lá chamou a atenção pra si e disse:

- Meus irmãos acalmem-se, pois segundo o que diz o evangelho de Cristo, não é aquilo que entra na boca, que mata. E sim o que dela sai.

Sob esse contexto aconteceu aquele funeral, que por esse episódio, tornou o falecimento da dona Flor famoso, como a água para o café.