"PASSE AMANHÃ PARA RECEBER!"

Estória muito antiga, década de 70 ou 80... Não é ‘ouvi falar’ e sim ‘ouvi me confidenciar’... Produtor musical falado, falador e famoso que, em linguagem fora da gramática, “chutava nas onze” (no futebol, as onze posições verdadeiras) - música, teatro, novela, espetáculos em geral......... Na época, morava num excelente apartamento. Chamava a classe mais humilde, um de cada vez (estratégia pensada do “sem testemunha”), para trabalhar em tarefas limitadas: pintor, pedreiro, eletricista, desentupidor, faxineiro, passadeira de emergência para o smoking, costureira para apertar a calça jeans, cozinheira para trabalhar por um dia e congelar estoque etc. etc. etc. O que o leitor lembrar, ele chamava......... Na vez do eletricista, excelente profissional, pai da minha AMIGA, foram buscar, ‘desenterrando’ (e cantaram!!!) ORESTES, NOEL, ARI, LAMARTINE, ADONIRAN, CARTOLA e muitos outros... Cerveja e inefáveis-divinais bolinhos de bacalhau da padaria da esquina. (Minha avó filósofa diria: “Muito riso, pouco siso!”) Parecia até que já se conheciam há muitos anos de coxias e bastidores. O produtor prometeu arranjar uns ‘bicos’ para o eletricista entre amigos artistas. Ao final do dia, cena teatral sem aplauso, teatro do absurdo, ‘nonsense’ - o bater nos bolsos, mostrar carteira vazia, talão de cheques idem, só a capinha (fração de segundo, nem deu para a vítima perceber o nome do banco)... “Passe amanhã para receber! Deixarei com o porteiro.” Na manhã seguinte... Porteiro?!... Muito do sem graça, devia ser humilhado também todos os dias, com este só havia um recado - “chamar a polícia e denunciar extorsão”. Produtor (um atoa) “não conhecia” esta gente que o cercava (à toa) para pedir dinheiro. Mesmo procedimento com todos estes serviçais temporários, 24 ou 48 horas. Nunca um único centavo. Porteiro proibido de avisar, prevenir - produtor ‘explicava’ alto relacionamento com bandidagem pesada do bairro que matavam sem perguntar motivo. E assim foi......... sempre. Não sei se no mínimo produtor e eletricista, personagens da vida real, já acertaram as contas ‘lá no andar de cima’........ numa curta diferença de tempo, ambos embarcaram sem mala alguma. Papai-do-céu os levou, igualzinho, silenciosos e desacompanhados, no meio do sono.

NOTA DO AUTOR:

TEATRO DO ABSURDO - criado em 1961 pelo crítico húngaro MARTIN ESSLIN (1918/2002), radicado na Inglaterra - o sem sentido da condição humana( ou sentido tragicômico, alternância entre quadros cômicos e horríveis ou trágicos) e inadequação da abordagem racional.. Principais representantes: ADAMOV, ALBEE, ARRABAL, BECKET, GENET, IONESCO e PINTER.

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