AVENTURAS LITERÁRIAS - EP 16 - BEST-SELLER

Leoncir Brasdelon cresceu no meio rural. Sua família não era pobre, no sentido de ter dificuldades na subsistência, e por esse motivo ele nunca passou necessidade, podendo comer e brincar à farta, apesar de sempre ajudar a família no trato da terra e dos animais.

O garoto era pródigo em travessuras, mas também muito inteligente e estudioso, o que lhe valia a admiração dos professores, conhecidos e parentes, que, de início, divertiam-se com suas demonstrações de sabedoria, mas logo passaram a consultá-lo sobre todas as dúvidas que os assaltavam, nos mais variados assuntos. Ainda em plena adolescência já era conhecido como um sabe-tudo, e no pequeno vilarejo em que vivia, era respeitado, requisitado e bajulado de muitas maneiras. Porém, sua ambição direcionava a mente para a cidade grande.

Resolvido a tentar a sorte numa metrópole, tinha de juntar uns trocados para a viagem e ínicio da vida em lugar estranho e diferente de tudo que já vivera. Arranjou um caderno velho e encheu-o, de cabo a rabo, com poesias, contos e crônicas simples, tanto no palavreado, quanto no teor, na trama, no desenvolvimento; em parte, porque ainda não dominava muito bem a escrita, mas também porque o povo local era inculto e só entenderia coisas imediatas.

Para editar o “livro” teve de valer-se de mimeógrafo velho, a álcool, da escola. Ainda que borradas, as páginas foram adquiridas pelos que o conheciam, que estavam tristes com a noticia de sua partida próxima, mas desejavam vê-lo ter sucesso. Conseguiu arrebanhar quase uma fortuna, com base no que sempre vira e tivera, mas após pagar a passagem e comprar uma mala, sobrou-lhe uma quirerinha, que mal deu para comer e dormir uma semana lá fora.

Já começara a passar fome, quando arranjou emprego numa escola, por indicação de seus professores e diretor. Além de ajudar em tarefas da secretaria, também fazia faxina e foi aceito para viver num cantinho da casa do inspetor de alunos, atrás dos muros divisórios. Com apoio do corpo docente, trabalhou, estudou, conseguiu bolsa de estudos na universidade, formou-se em letras, fez pós-graduação com doutorado, e tornou-se lingüista famoso no meio acadêmico. No entanto, ainda estava pobre. Resolveu usar o mesmo expediente de antes, e pôs-se a escrever um livro. Este, todavia, seria uma obra prima, na tessitura vocabular e no encadeamento da trama. Esmerou-se em elaborar um enredo principal, que descrevia cenas históricas icônicas, entremeado de poesias épicas, odes e narrativas apoteóticas.

Mesmo sendo figura conceituada, penou bastante para conseguir publicar a obra, e ao disponibilizá-la, só conseguiu vender minguadas cópias para colegas e alunos. Desde a tarde de autógrafos (mirrada e esvaziada) já se antevia o fracasso literário da empreita.

Leon Brasdel (agora era esse seu nome, como intelectual e artista) Não compreendia o que acontecia. Dera o melhor de si, gastara três anos de sua vida na elaboração, criara um conceito descritivo original, mas ninguém dera a mínima. Deprimiu-se ao extremo.

O homem organizado, aprumado, dedicado e cioso que era, transformou-se, da noite para o dia, num molambo irreconhecível. Deixou a barba crescer, vestia-se com desleixo, não comparecia ao trabalho, não atendia mais seus alunos e, após um tempo, acabou sendo demitido. Fazia bicos para sobreviver, bebia, consideravelmente, andava jogado pela rua, e nos fins de semana, pouco mais sóbrio, ia para uma praça declamar versos para os passantes.

Com a cabeça comprometida pelo álcool e a vida desregrada (além da depressão), só lograva dizer coisas bem simplórias, confusas, fragmentadas, mas que chamaram a atenção de um teatrólogo meio doido, que estava montando uma peça, baseada no caos cotidiano.

O tal dramaturgo gravou diversas falas controversas e ininteligíveis de Leon. Com elas montou algo, igualmente, incompreensível, mas que bombou em audiência. A crítica, por mais que seja difícil de acreditar, elogiou o trabalho e considerou-o criação conjunta, sendo um dos autores indicados, o próprio Leon Brasdel. Sem saber como, o gajo se tornou famoso.

Chamado para entrevistas no rádio, na TV, quase não conseguia articular frases, mas isso era tomado como estilo abstracionista. Sua cabeça rodava, não entendia direito o que acontecia em redor, e ao mesmo tempo em que enriquecia, pirava de vez. Acabou internado.

Passou quase um ano dormindo ou se arrastando pelos jardins do manicômio, enquanto sua conta no banco crescia e sua fama atingia nível internacional. Nos poucos momentos de lucidez relativa, sentia até medo de encarar o que entendia como loucura do mundo real.

Reuniu meia dúzia de pacientes, doidinhos como ele, e em conjunto, escreveram outra peça teatral, que fez enorme sucesso, descrevendo a civilização. Intitularam-na “HOSPÍCIO”.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 12/11/2016
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