AVENTURAS LITERÁRIAS - EP 18 - LITERATA, PERO NO MUCHO

Eliana trabalhava como redatora para uma central de produções, ligada a um canal de TV. Fazia de tudo um pouco, como revisar, adaptar textos, roteirizar, mas não assinava nada, nem seu nome aparecia nos créditos da obra encenada. Como ela mesma dizia: “trabalho de peão literário”. Porém, era emprego com carteira assinada e salário acima da média.

Nos tempos de adolescência rebelde, nunca imaginara tal situação, e sempre repetia, a quem por perto estivesse, que jamais cederia sua liberdade ao capitalismo. Mas cedera.

A virada aconteceu, depois que Jão Banzo (nunca se soube seu nome verdadeiro) viu a menina grávida e resolveu cair no mundo. Disse que Lili (ela detestava tal apelido) vacilara, e ele não tava preparado pra encarar fralda. A menina ainda tentou a ajuda dos pais, que foram atenciosos, deram vários tapinhas em suas costas, mas, com doces palavras, mandaram que se virasse por conta própria. Pasma e meio tonta, ela demorou a ver a ficha cair, mas foi à luta.

Ainda tentou se manter naquele lance de contra cultura, mas vender bijuteria, viver em casas comunitárias, em meio à bagunça da indisciplina generalizada, começou a incomodar. A grana nunca pintava, tudo faltava, não havia privacidade, comodidade e dormir era difícil, pois o pessoal só pregava no sono quando caía exausto do festerê noturno, e isso, geralmente, acontecia quando o sol começava a aparecer. Foi quando pintou um lance interessante.

O irmão do tal Banzo, que se mandou, era um cara certinho, sabonete, bem empregado e cheio da nota. Recebeu a oferta de um emprego no exterior, e como trabalhava na central de produções já citada, resolveu oferecer a vaga para Eliana, compadecido de sua situação e a já avantajada barriga. Sabia que ela tinha talento literário e trancara o curso de letras ao fim do terceiro ano, a pedido do então companheiro, seu irmão. Já a indicara ao seu chefe.

No dia seguinte, ambos estavam diante do manda chuva, que ao vê-la tão gorducha, já se preparava para uma dispensa rápida, mas antes de dizer algo, recebeu um pedido urgente, via rádio, para mudar, totalmente, e em questão de minutos, dez folhas de um script. Não havia ninguém disponível, e olhando para os dois à sua frente, não teve dúvidas. Colocou-os diante de dois computadores e distribuiu textos, com as indicações gerais.

Eliana terminou seu trecho em tempo recorde e ainda ajudou seu “cunhado”. Ao ver o resultado, o homem repensou a postura inicial. A menina era, sem dúvida, muito talentosa. Dali pra frente, muito trabalho, dinheirinho razoável, um filho pra criar e a necessidade da realização pessoal. Queria ser notada, conhecida, respeitada como escritora. Elaborou um livro.

Teve tanto cuidado na escolha do tema, no desenvolvimento, nos diálogos inseridos, que logo nas primeiras semanas após o lançamento, recebeu dezenas de críticas favoráveis, e foi convidada para saraus, palestras, debates e outros eventos. Ficou conhecida entre seus colegas escritores, gente do meio acadêmico, aficionados, mas sua fama passou longe, muito longe do grande público, que, simplesmente, ignorou seu livro. Foi um fracasso de venda.

Seus amigos e admiradores diziam que seu trabalho e sua figura se tornariam objeto Cult, e que muitas obras e autores nesse patamar vendiam pouco. O problema, todavia, era que, para divulgar seu trabalho e participar dos acontecimentos, para os quais era convidada, ela teve de diminuir sua produção no emprego, com a devida anuência do chefe, mas também com substancial redução em seus honorários. Sem perceber, retornara ao miserê.

Com uma avalanche de contas por pagar e a despensa vazia, não perdeu tempo com reflexões subjetivas, e mandou sua carreira literária às favas, retornando ao trampo. No dia seguinte já estava se desdobrando em várias tarefas, que lhe traziam com gosto, pois sabiam de sua agilidade e perspicácia para com o material fornecido. Em pouco tempo foi promovida e mais bem paga, o que lhe valeu a tão sonhada establilidade e independência financeira.

Ao se aproximar a festa de final de ano, foi chamada à diretoria e lhe informaram que, devido à sua excelente performance, estavam decididos a lhe dar um presente, e como tinham observado que, em algumas ocasiões, dedicava-se a escrever num caderno que guardava em sua mesa, imaginaram estar elaborando outro livro, e anunciaram que a empresa teria prazer em custear sua publicação e divulgação, como prêmio. Ela tudo ouviu e nada respondeu.

Levantou-se, foi até sua mesa, trouxe o mencionado caderno e mostrou a todos a capa, que exibia o título: DIM DIM. Era ali que ela fazia as anotações de sua movimentação regular na caderneta de poupança. A decepção ficou patente nas risadas amarelas, mas ela revidou:

- Agradeço a atenção, mas se quiserem me presentear, colaborem com meu dim dim.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 26/11/2016
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