AVENTURAS LITERÁRIAS - EP 20 - O FAMOSO MESTRE SACI

Minha infância e adolescência se deram entre as décadas de cinqüenta e setenta, do século vinte. Só conheci a televisão aos seis anos (em preto e branco), supermercado lá pelos doze (dos pequeninos), lanchonete aos dezesseis e computador aos dezoito (daqueles muito grandes, cujo tamanho rivalizava com caminhões, com capacidade menor que um game atual).

Naquela época, chefe (com a letra “e” no final) era quem comandava funcionários em uma empresa ou repartição pública. Não se utilizava, entre o povo tupiniquim, o termo “chef”, e quem comandava uma cozinha era o mestre cuca. Também não era nada glamouroso cozinhar em público por estas bandas. Havia os estrangeiros famosos, mas pouco se falava deles.

Todavia, foi em 1968 que conheci o Saci. Seu nome era João Salustiano da Silva, e o apelido surgiu no exército, porque era negro, mancava e, como trabalhava na cozinha, usava sempre uma touca. Nunca se incomodou com isso, e até se apresentava para alguns como o “famoso” mestre Saci, embora sua fama se resumisse às comidas do Lavajão, um restaurante de comida a quilo da baixada do Glicério, no centro de São Paulo, de categoria bem duvidosa. Apesar de um tanto limitado no conhecimento e manejo da arte culinária, conseguia ser notado e festejado pela simpatia e o sorrisão iluminado, que contagiava até o mais cavernoso ambiente em que estivesse. E foi desse jeito que ganhou a amizade de um intelectual francês muito rico, que se divertia em passear pelo que chamava de exótico terceiro mundo.

O gaulês achou tão peculiar o jeito de Saci, que resolveu almoçar no tenebroso lugar em que trabalhava. A patota, já sabendo que a comida era pior que a sujeira do local, resolveu ir e conferir a pataquada, mas ao contrário das expectativas, o ricaço nem deu bola pra decadência que dominava o pequeno salão, e ainda adorou as gororobas de seu novo amigo. Diante de uma boquiaberta platéia de conhecidos, convidou-o a abrir um bistrô em Paris, sob sua chefia gastronômica. Na semana seguinte os dois embarcavam para a Europa, focando na empreita.

Ninguém entendeu nada, até que um gajo sugeriu que os franceses tem péssimo gosto pra comida, entre outras coisas; mas outro questionou, perguntando: - Mas e os queijos, vinhos e suflês? E o croissant, os crepes, fondues, batatas gratinadas? Silêncio respeitoso total!

Apesar de muitos apostarem no fracasso da iniciativa, o fato é que a sociedade deu certo e nosso amigo ficou famoso em terras de Asterix. Daí pra frente só falava em francês, mesmo que o interlocutor fosse brasileiro, vestia-se com apuro e contratou um chofer, para conduzir o carrão que ganhou do sócio. Quando passou a ser conhecido além das fronteiras do país que o acolheu, resolveu escrever suas receitas em um livro ricamente ilustrado, e aceitou a recomendação da editora, mudando seu nome para Jean Sasée. Virou Best-seller!

Dois anos depois da abertura do restaurante, a coisa começou a mudar. A lista enorme de fregueses foi minguando, minguando, até que a casa ficou às moscas. Sem ter o que fazer, e para evitar um desastre financeiro, encerraram as atividades. Como seu primeiro livro fora um sucesso de vendas, chamou seu ghost writer (é claro que ele mesmo nem sabia digitar) e pôs a cuca pra funcionar, elaborando novo manual de proezas culinárias (no mínimo, temerárias). A editora não se mostrou muito entusiasmada, mas publicou a obra com uma tiragem bem pequena, que encalhou nas prateleiras das livrarias. Foi então que Jean percebeu o logro.

O sucesso inicial de sua comida estava, justamente, no fato de ser intragável.

Os europeus acharam uma aventura insólita e excitante aventurarem-se em provar o grude e as misturebas que ele perpetrava, assim como se divertiram muito em ler as peripécias descritas em seu livro, que consideravam desvairadas, psicodélicas, ilógicas, mas engraçadas. Depois de um tempo a graça acabou e seu público sumiu, bem como seu sócio.

Em poucos dias Jean Sasée morria, para surgir, novamente, João Salustiano, que teve de apelar para a embaixada brasileira na França, que o embarcou num avião da FAB, daqueles que nem poltrona tem, de volta à Terra de Santa Cruz. Voltou às suas origens, sem um tostão.

O dono do Lavajão o recebeu de braços abertos, acreditando ainda que o sujeito tinha conquistado os gringos lá fora. Porém, depois de provar algo do paraíso, Joãozinho não tinha mais ganas de continuar na sebosidade daquele lugar. Para fazer um extra, assou um monte de espetinhos de carne suspeita e foi vender no Pacaembu. Fez a alegria da galera.

Tornou-se empresário de sucesso, distribuindo seu churrasquinho pra todo lado. Lançou franquias, tinha dezenas de empregados, ficou rico e casou com uma modelo famosa.

Nunca mais entrou numa cozinha, mas tinha um hobby curioso: criava gatos.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 10/12/2016
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