A farpa

Na ponta de seu dedo havia uma farpa. Quando ela tirou com uma expressão de dor uma gota de sangue se formou e consequentemente caiu na calçada. Aquilo doía. Apertou a parte machucada como se pudesse curá-la. Pelo menos conseguira aliviar a ardência que sentia.

Endireitou a mochila nos ombros e continuou seu caminho para a escola.

Onde encontrara aquela farpa? Não lembrava. Como podia? Refez mentalmente seu caminho até aquele momento, mas infelizmente isso pareceu não ajudar em nada. E por que isso teria importância? Nenhuma. Então por que ficava com esse pensamento rodando na cabeça?

Sorriu. Era tão dela ser assim detalhista e ao mesmo tempo tão dispersa!

Quase dera um gritinho ao se lembrar. Fora no porão!

Mas o que fizera no porão aquele dia? Não lembrava. Nem mesmo de ter saído de casa. Parece que a única lembrança que tinha era à partir daquele momento em que percebera a farpa.

Fôra no corrimão da escada. Estava escuro. A lâmpada por algum motivo não acendera e ela entrara mesmo assim. Mas o que fora fazer lá? Lembrou-se do ranger das escadas. Eram vinte e três lances. Sabia porque contava sempre. Mas por que ia tanto ao porão? Estava fazendo tempestade em copo de água. O que isso importava?

Olhou o dedo. Agora estava apenas vermelho e doía só se tocasse na área ferida.

Precisava lembrar-se de passar uma pomada quando voltasse para casa. Iria sentir dor quando usasse o computador. Tinha certeza disso.

Fora buscar algo no porão. Mas o que era? Como pudera esquecer-se de algo que fizera a pouco tempo? Estaria doente? Ao chegar a escola foi direto ao banheiro e se olhou no espelho. Parecia bem. Sentia-se bem. Lavou o rosto com a água fresca para garantir sua sanidade. E secou levemente com a toalha de papel. Foi então, só então, que notou a protuberância em sua testa. Tocou-a levemente com os dedos e sentiu que doía bastante. Olhou-se no espelho novamente e percebeu que o cabelo escondia o local. Não sabia se isso era sorte ao resultado do azar que tivera.

Caíra no escuro do porão. Batera a cabeça e por isso não lembrava. Seria só isto realmente? Esforçou-se para lembrar mas sentia uma leve dor se acoplando em seu cérebro. Sentou no chão do banheiro. Estava confusa. Não tonta. Só confusa. Queria lembrar. Algo lhe dizia que precisa se lembrar. Fechou com força os olhos e lembrou-se da queda. Escutou o barulho do próprio corpo batendo no chão frio. Errara algum degrau, naquela escuridão sepulcral e acabara caindo. Lembrava-se do cheiro de mofo. Mas apenas isso.

- Você podia estar morta, sua burra.

Era tão típico de ela ser irônica consigo mesma! Olhou para os braços e viu algumas marcas ficando arroxeadas. Pensou na possibilidade de procurar um médico. Descartou essa ideia automaticamente. Não iria se prestar ao papel ridículo de não conseguir dar detalhes do que aconteceu consigo mesma. O médico iria achar que estava doida. Levantou e olhou-se no espelho outra vez. O rosto que a fitava era o mesmo de sempre. Sorriu e virou-se para ir em direção à sala de aula. Fosse o que fosse que acontecera estava bem. No mesmo instante lembrou-se que não sabia ainda o que fora pegar lá embaixo.

Isso continuava sendo um mistério!

Tânia Mara Paula
Enviado por Tânia Mara Paula em 26/12/2016
Reeditado em 26/12/2017
Código do texto: T5863880
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