E, DE REPENTE, SOU, SEM NUNCA TER SIDO

Como já disse em alguns textos anteriores, não sou dado a sociabilidades.

Desde a meninice sempre tendi à reclusão ou isolamento, embora não negasse fazer contatos e interagir com os que me buscavam ou detinham alguma ingerência momentânea sobre minha pessoa e condição. Todavia, se desse pra fugir da raia, refugiava-me num canto. Ao utilizar a brincadeira como artifício, nas conversas habituais ou incidentais, julgam-me, erroneamente, extrovertido. Trata-se de defesa imediata, para não ter de enfrentar de cara séria, um papo que talvez ponha às claras minha inadequação às convenções sociais. Apenas na iniciativa escrita é que consigo ser mais articulado e objetivo, mas sinto tanta vontade de dizer tanta coisa, que acabo escrevendo linhas e mais linhas, perdendo o fio da meada.

Uma pessoa, a quem considero bastante, disse a uma amiga querida que eu escrevo “muuuito”. Num primeiro momento pensei ser um elogio, mas a referência não era quanto à qualidade de meu trabalho, mas quanto à quantidade, extensão. Tratava-se de crítica.

Para cada elogio que já recebi na vida, tive de engolir dezenas de críticas acerbas.

Acostumei-me às críticas, como me acostumei ao achincalhe e desprezo, caso contrário não conseguiria levar avante minhas metas, perdido entre dramalhões pessoais, insegurança e medo ou revolta. Parodiando um antigo e foclórico deputado brasileiro, repito que quando a vida nos nega guloseimas e nos dá limões, façamos laranjadas. Com stévia, de preferência.

Desde criança sempre tive muitos apelidos, e a maioria foi cunhada para exacerbar meu aspecto físico desconjuntado ou meu jeito meio sonso. É claro que nunca morri de amores por nenhum deles, mas, recentemente, já consolidado como burro velho, fui surpreendido com novo epíteto: grego. Para quem nunca me viu mais gordo (perdi uns bons quilos), devo deixar claro que não tenho, absolutamente, nada do perfil grego em meu corpo, e mesmo que minha pele seja meio encardida como a daquele povo, estou mais para caboclo do que para exemplar de Aquiles, mas a boa alma que assim me apelidou, teve um motivo interessante para fazê-lo.

Ocorre que vivo próximo à orla marítima, em balneário rústico, onde a maioria das casas tem aspecto, mais ou menos, semelhante, nas dimensões, fachada, conformação e ainda outras particularidades. Ao erguer minha morada, não segui o padrão local, e só me preocupei em tornar a casa adequada às pretensões e necessidades dos moradores, além de respeitar o movimento usual de ventos, insolação e chuva, inclusive considerando alterações decorrentes da sazonalidade. Não esqueci também de proteger o imóvel com muros e outras providências, que aos olhos dos vizinhos pareceram excentricidades inexplicáveis. O resultado prático, ao término da construção, foi ser taxada minha casa de esquisitona.

Voltando, porém, ao apelido, devo dizer, inicialmente, que tenho como vizinha, durante o verão, família muito agradável, que reside em cidade, razoavelmente, distante. Permanecem por um ou dois meses e levantam vôo de volta. A matriarca, senhora talentosa, tanto nas artes culinárias como na atividade artística, quando do primeiro contato com meu lar, mesmo antes de me conhecer, imaginou que a edificação tinha ares gregos, lembrava-lhe a Grécia, de algum modo muito particular. Creio que foi a única a pensar assim, mas quem sabe?

O fato, consequentemente, é que quem vive em uma casa grega só pode ser grego.

Dali em diante, desde que travamos contato e trocamos alguns presentes ou comidinhas eventuais, ela nunca conseguiu mais memorizar meu nome, passando a estabelecer como denominação efetiva e costumeira, que eu sou o grego e ponto final.

Acho que ao longo de todas as décadas já vividas, nunca tive apelido carinhoso como esse, a não ser um que minha avó me deu, ainda na infância, mas que dá ensejo a uma outra história, que prefiro contar noutra ocasião.

Para dona Ruth e sua família continuo sendo o grego, ainda que sem nunca ter sido, mas defendo a pureza da intenção e do apelido, qual se fora uma bandeira desfraldada. Sou, na prática e genética, mais um viralata brasileiro, descendente de espanhóis, portugueses, alemães e negros, sem pedigree, sem pureza de qualquer teor, sem árvore genealógica, brasões familiares, ascendentes importantes ou fatos marcantes. Sou, no entanto, o grego.

Para que não restem dúvidas (e para dar uma de gostoso, também) despeço-me em meu idioma “quase” natal: Αντίο και ευχαριστώ.

Entendeu?

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 07/01/2017
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