O caso da bola roubada

Eu estava parado na sala de aula aparentemente sem nenhum tipo de pensamento útil ou que fizesse sentido para uma aula de história, estávamos no 3º horário do turno matutino e eu mal esperava pra terminar a aula e ir para o intervalo, estava com fome, o que não chegava a ser uma grande novidade. Se seres humanos pudessem ser filhos de sensações, minha mãe seria a fome e meu pai ela teria comido. Olho para lado e vejo meu amigo Silvio que me alerta sobre um trabalho de Artes para o 5º horário. Tinha esquecido esse detalhe. Valia cinco pontos e eu precisava muito se quisesse sonhar com férias, na época que as férias de fato valiam a pena. Pedi ao professor para ir ao banheiro e quando sai fui procurar alguma coisa artística para o trabalho, só precisava ser criativo. Infelizmente criatividade fica complicada de barriga vazia. Eu era então, ao mesmo tempo, o cara mais e menos criativo do mundo pois se não estava comendo estava pensando em comer, detalhe esse visivelmente perceptível a quem possui o dom de enxergar.

Eu e Silvio fomos para o térreo – ele convenceu a professora de que estava com diarreia. Ninguém. Nunca. Questiona. Diarreia. Nós tínhamos talento pra teatro e encontramos a sala de jogos aberta no terraço. Foi então que uma ideia genial e delinquente veio a nossa mente, não haviam testemunhas, só nós dois e aquela sala mágica cheia de coisas que todo garoto gostaria de ter em casa. Ficamos em duvida de levar a bola de vôlei ou a bola de basquete, tiramos na sorte do cara ou coroa e ‘sequestramos’ a bola de vôlei, sem pedido de resgate. Silenciosamente como só os profissionais do furto faziam, deslizamos pelos corredores que separavam o sucesso do plano da possibilidade de sermos descobertos e punidos severamente. Nós tínhamos total consciência do que estávamos fazendo, planejamos tudo minuciosamente antes de avançar para o andar de baixo e por minucioso eu quero dizer uma conversa de dois minutos sobre as possibilidades. Sabíamos que as consequências eram extremas, ou viveríamos a felicidade de ter uma bola de vôlei de uma marca famosa ou seriamos conhecidos como idiotas sem nada na cabeça. Era um risco que tínhamos que correr.

Estava tudo dando perfeitamente certo, não havia ninguém ameaçador nos corredores, eu andava na frente para vigiar e Silvio vinha alguns passos atrás com a bola inutilmente escondida dentro da blusa. Conseguimos chegar na nossa sala que era um ponto seguro antes de partir para o sucesso. Sem professor na sala, achamos que era um sinal divino “vão garotos, sejam felizes”. Nossos colegas que eram muito espertos nos viram com a bola e ligaram os pontos antes mesmo de termos que fazer algum comentário. Eu realmente gostava dos meus colegas, tínhamos estudados juntos a tanto tempo que já possuíamos algum tipo de conexão fantástica. Sempre cobríamos as idiotices uns dos outros. As escadas daquele andar ficavam em frente a secretária, era impossível descer sem ser notado, e ainda mais com a bola de vôlei. Usamos nossas malignas, porém geniais, mentes para conseguir uma forma de executar o plano com perfeição. Decidimos que a melhor alternativa para sair com a bola sem ser notado era fazendo por partes. Primeiro eu desceria, usando alguma desculpa a ser decidida. Segundo, ele me jogaria a bola de cima depois que eu tivesse conseguido descer. Em terceiro então eu partiria rumo à glória. Glória era o nome da lanchonete do outro lado da rua. Plano formado, partimos para a ação.

O plano era simples, porem precisava de muita seriedade, era uma baita encenação que eu estava prestes a fazer e precisava de coragem, qualquer falha levantaria uma suspeita e todo o nosso tempo de planejamento seria jogado por água abaixo e poderíamos ser flagrados. Eu disse a garota da secretaria que precisava ir na biblioteca pegar um livro pra aula de matemática. Ela concordou e me deu cinco minutos para descer (eu estudava no segundo andar e a biblioteca ficava no térreo). Desci com um ar de vitória, o plano estava indo perfeitamente bem. Ao chegar ao térreo tive uma agradável surpresa ao perceber que não havia ninguém no pátio “Vão garotos, levem a bola pra um lar feliz”. Dei um assovio e Silvio ia me jogar a bola. Não podia falhar, se a bola tocasse o chão seriamos descobertos por causa do barulho. Graças as minhas habilidades esportivas agarrei a bola com precisão e silencio. Assim que sai da escola, fui para o ponto mais seguro onde poderia deixar aquela preciosidade, o ‘Point da Glória’. Lá era o lugar onde minha turma se reunia para comer e conversar. Se tinha alguém que poderíamos confiar para aquela missão, esse alguém era ela (nós chamávamos ela de Tia porque não sabíamos o nome dela, é um completo mistério até os dias atuais). Chegando lá perguntei se podia deixar a bola com ela por um tempo, ela disse que preferia não saber de quem era a bola, mas guardou mesmo assim em um canto onde ninguém poderia ver. Pra finalizar o plano, não poderia esquecer de pegar o tal livro de matemática.

Após voltar para a nossa sala e compartilhar o sucesso do plano com meu cúmplice, percebi que tinha esquecido um detalhe muito importante, e que iria me prejudicar muito, provavelmente minha mãe não deixaria barato, aquilo era assustador. Havia esquecido o trabalho de artes. Acabou-se o sonho de passar direto, e o pior de tudo, ainda estava com fome.