Desejos à mesa

"Essa nossa vida chata,

tornou-se um eterno

privar-se de seus desejos

e um eterno criticar

aos que ousam desejar."

Mesa farta, carnes suculentas, frutas viçosas, saladas e acompanhamentos. Um prato trazido por cada parente. E todos estavam ali, envolta do lindo banquete: Tios, primos, irmãos, avós, amigos e agregados. Conversavam em pé, espalhados pela sala, fingindo não ver ou até mesmo sentir o aroma das delícias que repousavam sobre a enorme mesa. Olhavam hora ou outra de canto de olho toda aquela comida e disfarçavam sua fome. Conversas vazias, risadas falsas e sorrisos amarelos, tapinhas nas costas, apertos de mãos gélidos, elogios forçados e tudo que uma "social" como essas tem direito.

Em meio a toda essa gente, um menino, faminto como todos os presentes. Perambulou pelas enormes pernas dos adultos, como um desbravador a caminhar entre troncos na mata desconhecida. Sentia o aroma que vinha do centro da sala e sua boca se enchia de água, seu estômago roncava enfurecido, exclamando como uma ordem que não poderia esperar para ser obedecida: "Quero comida!". Desviou de mais alguns pares de pernas enormes e chegou, finalmente, ao seu oásis. Nem se deu ao trabalho de olhar para os lados. Puxou uma cadeira e sentou à mesa vazia, o primeiro a começar a comer. A fome e a vontade de comer deram as mãos e fizeram seu papel com força redobrada. Com suas pequenas mãos alcançou uma coxa de frango, uma colherada de arroz, uma concha bem cheia de feijão, um pedaço de carne com molho e uma porção de farofa de bacon. Ainda levando uma garfada à boca, servia suco de goiaba em um copo grande, de forma meio atrapalhada, quase derrubando a jarra pesada sobre si. Comia com tanta vontade que em poucas garfadas já se via com a boca toda suja de molho e pedaços de pele de frango, as mãos estavam ainda piores.

Vendo a cena, um dos tios se aproximou. Também faminto, vendo o garoto comer daquela maneira, sentindo o aroma daquela comida. Aproveitou a situação:

- Como o pequeno aqui já fez um belo estrago na decoração do almoço. Acho que todos devem sentar e servir-se. Vamos comer, minha gente! - Disse, mirando o garoto com um olhar rude e um sorriso dos mais falsos.

Todos sentaram à mesa, serviram-se e começaram a comer lentamente em pequenas porções, ainda investindo nos diálogos vazios e insignificantes. Entre as conversas banais, vez ou outra surgia uma alfinetada ao garoto faminto. Os tios diziam que era falha da educação dada pelos pais, enquanto rasgavam uma coxa de frango entre os dentes e riam alto. Os primos diziam que era falta de comida em casa, enquanto, discretamente, guardavam docinhos e frutas menores em seus bolsos. A avó, dona da casa, pegou uma coxa de frango do prato do menino, dizendo que, em seu tempo os adultos ficavam com as coxas e que ela só pudera comer uma coxa daquelas quando começara a trabalhar para comprar um frango com o próprio dinheiro e mordeu a coxa com vigor enquanto uma lágrima de lembrança e tristeza lhe escorreu o rosto, ao ver a expressão acuada do menino com seu discurso. Ninguém percebeu.

As conversas fúteis, as risadas altas e vazias, os sorrisos amarelos, os elogios forçados, os assuntos sem nexo continuaram... Entre piadas sem graça e comentários maldosos, os olhares iam cruzando a mesa e fuzilando o menino, que a essa altura já não saboreava a comida com a mesma vontade. Foi mastigando mais lentamente, e a comida foi descendo seca e áspera, mesmo com goles robustos de suco de goiaba. Foi começando a se sentir culpado por ter causado tamanha vergonha a seus pais e decepção a seus parentes. Todos que o olhavam, no fundo agradeciam ao menino que antecipou o banquete, e aliviou, ao menos um pouco, do martírio da "social" gélida e maçante. Não conseguiam dizer-lhe uma palavra de agradecimento, porque na realidade invejavam a sinceridade da atitude de fazer o que se tem vontade.

O menino faminto, desconhecendo a fome alheia, envergonhou-se da própria fome.