A ARTE DA REPRESENTAÇÃO

Hiago reunia pessoas ávidas por suas representações. Em um parque colossal, adstritos ao íntimo ou as sugestões da plateia, emergiam cenários e personagens que eram dirigidos por sua misteriosa arte.

O pensamento de Hiago, ou as sugestões que as pessoas encaminhavam, facilmente eram materializados. Era possível ver o elenco de “Jornada nas Estrelas” a desfilar na área de entretenimento; assistir o beijo de Scarlett O´Hara e Rhett em “O vento Levou”; ou se divertir com cenas de chicó e João Grilo, protagonistas do filme “O Auto da Compadecida”.

Desde a infância, Hiago se viu atraído por energias desconhecidas. Escolhia um pássaro, numa revoada, e mentalmente o fazia percorrer um rumo diverso. Com a força do pensamento, também lhe era permitido fazer com que algumas formigas se desviassem do carreiro.

Na vida adulta, Hiago passou a mover objetos com a energia da mente. No início, a matéria inanimada respondia seus apelos através leves palpitações. Depois, afetada pela atividade reflexiva, facilmente se libertava do repouso para obedecer ao seu comando.

Não tardou para que Hiago conseguisse materializar o pensamento. Durante um “Blackout”, a chama tremeluzente de uma vela, tal como imaginara, afastando a escuridão, surgiu à sua frente.

O processo criativo foi submetido a constante evolução. Em último estágio, num enorme palco a céu aberto, sem qualquer recurso tecnológico, preenchendo espaços, cenas eram desenvolvidas nos tons da comédia, do drama e do romance. A imaginação de Hiago confundia a realidade, que se transformava em partitura ficcional.

A cada exposição, ante olhos embevecidos, surgia um mundo novo.

Mas, equívocos presentes na condição humana submeteriam o mago a um grave desfecho. Erro verificado na criação de um zoológico, materializou um tigre. A fera, liberta da jaula, investiu contra o criador. Houve pânico entre os espectadores. Quando o felino desapareceu, Hiago ressurgiu incólume do seu pensamento.

Mesmo assim, a plateia se manteve apreensiva quanto a sorte do Senhor Fantástico. Era de domínio comum que as materializações não se sustentariam no correr do tempo.

A arte desenvolvida por Hiago obteve constante apuro. Após dominar a psicocinesia, ele se ocupou em transferir a imaginação para a realidade. Cópias perfeitas do pensamento eram materializadas e recebiam estímulo vital..

Tanto lhe era possível criar, como reproduzir pessoas e lugares que traziam à cena formas e vozes da natureza. Embarcações orientadas por estrelas brilhantes se iam por águas ruidosas. À sua volta, surgiam personagens de filmes e romances famosos, paisagens urbanas, florestas, essências e seres variados.

A engenharia mental traduzia de modo fiel os objetos e o caráter dos entes invocados. Alguns, além de viverem sua própria e distante realidade, poderiam, ao mesmo tempo, interagir com Hiago materialmente reconstituídos.

Para desfrutar melhor a experiência, o Senhor Fantástico, como ficou conhecido, elaborava um roteiro ao gosto das suas emoções.

A arte, contudo, possuía limites. Suas criações eram irrepetíveis e não persistiam. Malgrados esforços desenvolvidos, o trespasse era fatal. O passar do tempo a tudo desfazia.

Certa vez, o Senhor Fantástico, através da mente, apanhou uma série de frutas exóticas, mas apenas algumas foram degustadas. Pilhas de dinheiro também surgiram em sua escrivaninha, sem que ele usufruísse do aparecimento. As células, sem demora, retornavam ao nada.

Após essas experiências, como se sabe, a desdita irrompeu. Por ocasião do infortúnio e nos instantes posteriores, o que se viu foi o desespero e a esperança assediar a todos. Ao ser atacado pelo tigre, Hiago se imaginou incólume no palco. A expectativa centrava-se na possibilidade dele vir a superar o limite temporal da criação de si mesmo.

E então, ao passar dos segundos, em flashes retroativos, Hiago espelhou-se nas imagens criadas. Por fim, restringiu-se a um sopro que contornou o palco dos sentidos em direção a essência das coisas, ao mundo abstrato das ideias de onde proveio.

Consumado o passamento, as obras do mago continuariam reconstituídas no intelecto das pessoas, prova irrefutável de que os esforços criativos não foram inúteis. Se há um destino fisicamente inexorável, o mundo primordial das ideias, arquétipo de todas as coisas, alheio ao espaço e ao tempo, viveria para sempre.