Travessias infernais

Quarto escuro. Cortinas fechadas. Nem dá pra perceber o sol de verão que está lá fora. Já passam das 13 horas. Esther continua deitada. Para ela, é como se o universo não existisse.

Sobre a cama, seu corpo está jogado. Ela não quer ver a luz Tenta esconder-se. Pena, que não consegue. A casa tem vidros. Ela vê sua imagem refletida.

O telefone toca. Esther é obrigada a levantar. Atende. Era engano. Ela volta para a cama. Nenhum barulho. O silêncio toma de conta do universo. Será a última habitante do planeta, se questiona.

O som da campainha interrompe o silêncio. Esther ouve seu nome ser chamado. Mas não se move. Mantém-se instável. Já são 20 dias que ela não sai de casa. Não quer ver a luz do dia. Mal se alimenta. O celular toca. Ela finge não ouvir.

Dias e noites, a mesma coisa. Esther apenas dorme. Não tem ânimo para nada. Sequer vê Francisca fazendo a faxina semanal.

Esther voltou a dormir. A lágrima escorre pelo seu rosto. Um barulho. É Francisca. Mas parece ser tão distante.

Na mente de Esther, um filme. São suas lembranças. Como era doce seu sorriso. Sua alegria. Ela ouve passos. Mas está à moça dormindo ou não? Já virou rotina apenas dormir, que nem sabe quando está acordada.

Uma mão leve toca seu rosto. Ela reconhece o toque. Sente o cheiro. Sua essência. Seu corpo está encostado no dela. Mesmo sem olhar, não há dúvidas. É Marcus.

- Até quando esconder-se-á do mundo meu amor? Questiona ele, com uma voz carinhosa, enquanto acaricia os cabelos da sua amada.

Mas aquela mulher parece não ter vontade de viver. Sequer levanta os olhos para ver aquele homem belo que está ali por ela. Nem mesmo responde sua pergunta.

Marcus beija os cabelos de sua amada. Abraça-a com força. Para ele, Esther é muito preciosa. Não consegue entender, como ela pode estar assim, se entregando dessa forma aquela doença.

Com um rosto triste. De quem está a sofrer, Marcus fala:

- Amor, você quer ficar aqui né...Então tá bom, fico com você. Se é para ficar sem fazer nada, sem vida, mas tendo você próxima, eu fico.

Esther sussurra:

- Não. Sua voz quase não sai. Aquele não é tão silencioso quanto o próprio corpo da moça, jogado na imensa cama.

- Você não entendeu. Não perguntei se é pra ficar. Mas sim, que atravesso o inferno, desde que seja com você ou por você. Disse Marcus.

Nesse momento, o corpo de Esther se mexe. Até então, nem movimentos haviam.

- Como entrou aqui Marcus? Mudei o código de segurança. Sem que ele respondesse, ela fala que foi Francisca.

- Entenda Marcus. Não quero ver ninguém. Nem você. Suma da minha vida. A sina da tristeza e solidão é apenas para mim, não para você.

- Diga isso me olhando meu amor. Retruca Marcus.

E ele continua:

- Me olhe. Fale olhando nos meus olhos. Diga que você não me quer próximo. Que não me ama.

Esther não se mexe. Ele ouve apenas o suspiro de quem está a chorar.

- Meu amor...Entenda. Se o seu inferno é isso aqui. Então, daqui não saio. Fico com você. Sem luz. Sem vida. Você flor, murchando, eu também murcharei....

Simplesmente, Esther levanta o rosto.

- Saía Marcus. Saía. Suma da minha vida. Esbraveja.

Olhando-a fixamente, Marcus diz:

- Prefiro viver no inferno a viver sem você.

Ela ergue o corpo e em lágrimas responde:

- Não queira sentir ou passar pelo que estou passando.

Marcus, começa a se afastar da moça.

- Você precisa lutar. Precisa viver. Não está só.

Sua amada está ali. Sem vida. Na escuridão do quarto. Ele se levanta para sair.

- Você já vai? Pergunta a moça?

Ele a olha e diz:

- A decisão é sua.

Com a mão estendida, diz:

- Vem.

Marcos sorri, se aproxima e diz:

-Nesta guerra meu amor, juntos, os dois com certeza somos mais fortes. Separados, não somos ninguém.....