"Morena, Linda, Sensual, de Olhos Verdes" = Romance = Capítulo 40

- Está bem, papai. Mas só para completar: até hoje não entendi porque foi que de repente vocês dois morreram um para o outro.
- Você está sendo extremamente inconveniente, Helena. Já lhe disse que não quero tocar neste assunto agora. Entendeu?
  Carlos Beluzzi fuzilou a filha com o olhar , dando por encerrada a conversa, e Helena, pedindo desculpas, calou-se de vez.
Eliane olhou com pena para a moça. Helena fora realmente inconveniente como uma criança palpiteira e fizera por merecer a chamada que levara, mas, havias gostado das duas, mas mais de Helena. Aliás, gostara dela de uma forma que a estava incomodando. Jamais sentira qualquer espécie de atração tão forte por uma outra mulher em qualquer outra época de sua vida, ou mesmo tão grande simpatia quanto a que aquela moça lhe despertava. Mas aquela moça a atraiu fortemente desde o primeiro olhar que trocaram. Era muito bonita, sensual no andar e mover-se, lânguida sem exagero, extremamente bem educada sem parecer interesseira ou bajuladora. Alguma coisa no conjunto geral mexia com Eliane por dentro. Algumas vezes no dia, enquanto passeavam pela cidade, Eliane surpreendeu-se observado o movimento ritmado dos quadris de Helena.              Classificou-a mentalmente de gostosa e admirou-se por tê-lo feito. Helena, por sua vez, tinha um modo carinhoso e envolvente de olhar para Eliane. Uma maneira que chegava a incomodá-la, mas gostosamente. Ela pensava em desviar seu olhar do olhar da moça mas não conseguia. Sentia-se bem fitando-a e sendo por ela fitada.   Quase riu, aparentemente sem motivo, ao lembrar-se dos versinhos cantados pelo pai em sua infância: “Não sei se é fato ou se é fita/ O fato é que ela me fita/ E fita mesmo de fato...”.
Gostara também de Andréa, mas de uma forma absolutamente diferente, sem envolvimento ou atração. A médica era também simpática e bonita, mas não tão atraente quanto a irmã. Só Helena perturbara Eliane por dentro.

  Emendando o fim-de-semana com um feriado na terça feira, Carlos Beluzzi e as filhas ficaram quatro dias com Eliane, e foi com muita pena que se foram, prometendo voltar o quanto antes. Na despedida Helena deu um forte e demorado abraço em Eliane e cobriu-lhe o rosto de beijos. Eliane correspondeu ao carinho e apertaram-se as mãos de maneira cúmplice.
Durante uma semana inteira Eliane pensou quase que só em Helena, sem mal lembrar-se do amante e de sua outra filha. O que estaria acontecendo com ela? Questionava-se o tempo todo. Jamais sentira antes atração alguma por outra mulher e de repente Helena aparece em sua vida e abala sua convicção de total e inquestionável feminilidade. Depois dos trinta anos? Depois de tantos homens em sua vida, animados com sua competência sexual? Sentia-se perturbada, e muito, na presença e mesmo na ausência daquela moça alguns anos mais nova que ela. Estranho demais para uma mulher que adorava sexo com homens, com machões desprovidos de frescuras, pouco sensíveis, de poucos rodeios nos modos de se expressarem. Homens como o coronel, como o pai da moça que agora ocupava quase que todos seus pensamentos.

No dia seguinte ao retorno do coronel e filhas a Santos, Eliane foi a São Paulo encontrar-se com o filho e com sua irmã. Deu então dinheiro à irmã para que ela levasse Wilson para Nova York e que por lá ficasse com ele pelo menos por um ano seguido. Queria que o filho aprendesse inglês com perfeição e voltasse falando como um americano nato. Estava investindo no futuro dele, avisou, e não queria de forma alguma decepcionar-se.
- Entenda de uma vez por todas, filhote: não estou apenas querendo fazer você sumir das vistas do coronel ou de minha vida. Estou para ficar muito rica e quero um futuro melhor pra você. Quero investir muito em sua educação, recuperar o tempo perdido e prepará-lo para enfrentar a vida com muito menos dificuldades que eu e seu pai. Andei pensando muito e cheguei à conclusão de que ainda há tempo e muita chance de mudarmos. Nós dois, filho. Deixar de vez a vida de trambiques, de golpes, de safadezas. Não é porque seu pai foi um ladrãozinho medíocre, barato, que você precisa ter o mesmo destino que ele. Eu também, não nego, fiz muitas besteiras na vida, me arrisquei demais, mas ainda sou jovem e posso mudar para melhor. Vamos mudar nós dois. Vamos ser gente boa. Gente de respeito e bem educada. Deus tem me dado várias oportunidades e eu quero que nós dois as aproveitemos pra valer. Topa?
- Topo, mãe. Também não quero mais apanhar na cara por causa de carteiras tiradas dos bolsos dos outros.
- Então me prometa que voltará dos Estados Unidos falando inglês, lendo muito, aprendendo tudo que puder e que aproveitará essa viagem para pensar em seu futuro. Ah, tem uma coisa: fique de olho vivo nesse negócio que está surgindo agora e que vai mudar o mundo de vez, que é a informática ao alcance de quase todo mundo. Aprenda tudo que puder, compre todas as revistas e livros sobre o assunto e prepare-se para ficar multimilionário, menino. Você tem o melhor capital do mundo que é a juventude. E inteligência também. Está com tudo pra ter uma vida de rei. Eu não vou pedir que me jure, mas se eu souber que fez uma única cagadinha, uma leve que seja, você estará perdido. Você sabe que sempre cumpro minhas ameaças. Aprontou, eu paro no ato de mandar dinheiro. Vai ter que se virar sozinho e lá a polícia é mais bem equipada e severa que aqui, lembre-se sempre disso. Serei capaz de mandar dinheiro pra sua tia voltar e de te deixar lá de vez.
Wilson riu gostosamente.
- Eu volto a pé, mãe, mas pelo menos você irá me esperar com o carro na estrada? Posso não agüentar descer a serra. Agora que você já falou e ameaçou bastante, gostaria que me ouvisse. Acho que você gostará do que direi, não é, tia?
- Acho que sim, Eliane. Seu filho mudou muito de uns tempos para cá.
- Mãe, aqui em São Paulo, desenturmado, sem amigos, eu tive que ficar mais comigo mesmo, mais sozinho, e isso foi muito bom. Comecei a ler alguns livros da estante da tia e dei sorte. Depois que li o primeiro, tomei gosto pela coisa. Depois que li o primeiro, tomei gosto pela coisa. Fui lendo um a um, e alguns deles me pareceram terem escritos para mim. Um deles me fez sentir vergonha de ser como eu era. Fez com que eu sentisse que era mesmo uma merda de pessoa. De repente eu senti nojo, um nojo imenso das coisas que fazia e achava que eram normais e naturais a todo mundo. Não que eu tenha virado um santo de um dia para o outro, incapaz de maus pensamentos, mas agora sei reconhecer se o que penso é bom ou não, sei o que é certo e o que é errado. E se o que penso fazer vai ou não dar-me motivos para arrependimento depois. Sei lá, mãe, mas acho que de repente criei juízo. Não sei se é pretensão da minha parte, mas parece que de repente fiquei adulto, ou quase. Sei lá. Acho que nem do coronel eu tenho mais ódio. A surra que ele me deu talvez tenha colocado meus miolos no lugar.
Eliane olhou para o filho pensativamente. Gostaria muito de acreditar em tudo que ele dissera, principalmente porque era evidente a imensa mudança no modo de expressar-se de seu filho. Quase nada de gírias, nada de palavrões, daquele jeito cúmplice e relaxado que ele tinha de falar com ela antes. Parecia mesmo uma outra pessoa, com alguns anos a mais de vivência. A irmã de Eliane, atrás do menino, sorria feliz e orgulhosa da transformação do sobrinho, sentindo-se diretamente responsável por ela. E com justiça.

=Continua amanhã.
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 07/08/2007
Reeditado em 07/08/2007
Código do texto: T596260
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.