Solitaire e o Anjo Zulu – Capítulo I

Solitaire e o Anjo Zulu – Capítulo I

Naquela noite dispensei companhias.

O telefone clamava insistente, enquanto executava meu íntimo ritual.

O verão vivia seu auge, mas os ares eram amenos. A noite convidava, insinuante...

Banho tomado, perfume, maquiagem leve. Cabelos soltos.

Só um pouco mais de batom, porque a boca sempre me vem com suas súplicas...

Visto meias finas que mal cumprem sua função.

Body sem alças e saia de comprimento revelador .

Por cima uma blusa de mangas longas.

O tecido em tela se assemelha à uma macia rede de pescar.

Compõe o conjunto, disfarçando a pouca roupa e a timidez.

Calço sapatilhas confortáveis. De andarilha .

Observo a esquia silhueta no espelho. Toda de negro.

Sorrio dessa mania. Pareço viúva de mim mesma.

Pego uma bolsa colorida. Um pouco de contraste é bom.

Alguém bate delicadamente à porta e vejo surgir um bilhete.

Um funcionário do Hotel a mando de amigos recentes.

Leio o recado pensando no quanto deve ser difícil entender a quietude um tanto brusca me assalta sem aviso.

Pois meu invólucro sem ecos não se explica.

Mas sei o quanto o silêncio pode ser eloquente.

E também perdoável.

Por isso me calo, enquanto ouço o telefone tocar novamente.

Vou até a janela e vejo o parque escuro.

Mas o Arco de Mármore está iluminado.

Suavemente envolto por luz e história.

Vejo pessoas caminhado na rua.

São dez horas da noite e os jantares estão sendo servidos na cidade.

Os bares já começam a receber os frequentadores tão alegres quanto beberrões.

O telefone volta a acompanhar o ritmo silencioso do quarto.

Chegam discretos os ruídos das ruas.

E entre eles vem um som diferente.

Um sussurro longínquo..... "Solitaire ...."

Deve ser este um nome antigo. De um tempo que vivi e agora reconheço...

Mas sobrepondo-se a qualquer estímulo, ouço o chamado poderoso. E tão aguardado.

O leve arrepio seguido do descompasso no peito anunciam a emoção do encontro.

Pego o elevador, atravesso o imenso lobby e ganho a calçada .

À minha espera o amante impaciente.

Companheiro valoroso a me surpreender desde sempre.

A quem chamo de Acaso.

Me recebe enigmático, oferecendo seu abraço caloroso.

Ao qual entrego docemente a amplitude de viver.

Continua .....

Claudia Gadini

31/07/05