Solitaire e o Anjo Zulu - Capítulo IV

Solitaire e o Anjo Zulu - Capítulo IV

O vulto finalmente se detém à minha frente, ofegante. A distância de um passo.

Fico parada, olhos colados naquela figura noturna. De imediato mapeio aquela imagem.

Um homem todo de negro. Sapatos, jeans, camisa, casaco, pele. Tudo nele se veste de escuridão.

É alto e jovem. Percebo camadas musculosas por baixo dos tecidos. Ë muito forte.

A pouca luz ilumina metade daquele rosto, de onde se projeta um sorriso contrastante.

Do marfim mais puro. Emoldurado pela boca perfeita, carnuda.

As feições são harmoniosas, de belos contornos. Lindas !

Um jovem homem negro. O mais belo que já vi.

Olhos também escuros, acesos. Dois imensos faróis.

Ele também rastreia a minha imagem, e o sorriso fica mais largo. Os belos dentes se destacam à meia luz.

Mas de repente percebo em sua face três cortes. Grudo o olhar naquelas cicatrizes.

Um rosto tão lindo e assim marcado... O que será isso ?

Solitaire sussurra em meu ouvido : “É o mensageiro da Morte...e tem uma navalha. Faça alguma coisa ! “

O frio que me vai na pele é substituído por um certo torpor. Agradável até.

E quase que imediatamente sinto paz. Aquela que acompanha o inevitável.

Não me é tão estranha a sensação, pois sempre busquei esperar a Morte com naturalidade.

Quando ela chegar, me encontrá serena. Este é meu acordo com a vida...

Ele quebra o silêncio e meu transe :

- Que bom que você me esperou . Pensei que ia entrar no ônibus.

- É...eu ia, mas...

- E por que não entrou ?

- Porque você me chamou, e ...bem... parecia querer ajuda. Você ia pegar o ônibus também?

O sorriso se alargou de novo .

- Não. Na verdade eu acabei de saltar de um ônibus. Por sua causa.

- Ah, me viu e pensou em ajudar uma turista perdida ?

- Não foi bem assim... Eu estava indo para o trabalho, quando vi sua figura ao

longe, da janela. Pensei que você era daqui.... E achei sua imagem tão linda,

solitária, caminhando na noite... que não resisti. Pedi para o motorista parar

e vim correndo. Tive medo que você fugisse...

E Solitaire gritando : - “Devia ter fugido mesmo. Esse sujeito vai te matar!

Ou então fazer outra coisa . Te bater, te machucar. Já pensou nisso, já ? “

Começo a sentir medo novamente, mas controlo. O pânico perturba o raciocínio e preciso conduzir a situação com bom senso. Lembrei da minha imagem no espelho do hotel, e agora já não gosto mais do que vi.

- Olha, me desculpe. Estou vestida assim, mas não sou daquelas “ladies “ que trabalham nas ruas...bem.. você sabe... Sou mesmo uma turista perdida.

E estava indo em direção àquela avenida para pegar uma condução.

Ele agora ri. Parece estar se divertindo com meus movimentos.

Gesticulo mais que uma siciliana, erro algumas palavras. Puxo a saia para baixo,

tentando fazer com que ela pareça mais digna. Mas não consigo. Cruzo os braços, na tentativa de preservar a pele visível . E também rio.

Do meu ridículo. E de angústia também.

Ele demonstra tranquilidade, mas me olha de cima abaixo, sempre sorrindo.

Inclina um pouco o rosto e posso ver na outra face mais três cicatrizes. Exatamente iguais e simétricas às outras.

Solitaire fica gelada : “ Não disse ? Isso é cara de assassino ! “

Observbo agora com calma. Parecem marcas tribais.

E fico pensando porque marcariam um rosto tão jovem e bonito... Algum ritual ? Ele percebe. Toca as cicatrizes.

- Isso te assusta ?

- Não. Bem... nunca vi nada assim antes ... de perto... desculpe.

- Sei que parece estranho, mas são marcas de que me orgulho.

Foram feitas na minha iniciação. É para que não me esqueça de minha origem e de meu destino.

- Como assim ?

- Meu pai é um Príncipe Zulu. E as marcas são de família, entende ?

Solitaire não acredita : “Príncipe coisa nenhuma . Tem olhos de psicopata !“

Mas seu olhar me parece sincero. E há muita dignidade naquele rosto.

Uma postura elegante, um certo ar de nobreza. Meu Deus, mal acredito...

Estou na casa da Rainha e me aparece um príncipe de ébano .

Ou seria um Anjo da Morte? Um Anjo Zulu ...

Continua ....

Claudia Gadini

20/08/05