Pânico no Sistema.

_ Prezado cliente, estamos com instabilidade no serviço de internet, era a notícia do tel. 103.12, o número do call center, aqueles seres delirantes.

Todos loucos sem digestão, era hora do almoço, dezessete de dezembro da era tecnológica. As crianças choravam de se esgoelarem, subindo nos tetos e telhados das casas em busca de goiabeiras, lagartixas ou algum tipo diferente das vidas que haviam se habituado diante telas.

Os adolescentes ficaram inquietos arrancando pedaços do corpo, cabelos, unhas, cutículas, roendo tudo que era vivo ou mesmo morto, trancados em quartos e tentando ligar para qualquer pessoa, mesmo sem saber muito o manuseio dessa bugiganga telefônica.

Os trabalhadores mandaram o mundo à ..... , xingaram de Deus ao diabo na terra do sol, além de Glauber Rocha e seus filmes quentes, com cheiro de erva e desconexos...

E a vida, acreditem ou não, estava lá! Continuou como em 1915, os movimentos e todas aquelas geografias, enquanto Fernando Pessoa bebia seu gole de macieira num botequim fétido do centro de Lisboa, acompanhado por papel, caneta e o dono do estabelecimento e balconista ao mesmo tempo a lhe perscrutar seus atos e imaginar, cotovelos recostados no balcão, lenço amarelo no ombro esquerdo, palitando um palito de fósforo, do lado da pólvora (gostava do sabor da pólvora dos palitos de fósforo – às vezes até cheirava um pouco de pólvora e bebia uma colher de sopa de querosene) o que aquele ser solitário pensava da vida, sujeito que não se continha em parar de escrever, ler livros velhos e olhar para a rua, as coisas, as pessoas e o tempo...

Os da melhor idade, os que não se acondicionaram às telas táteis, riam e continuaram a assistir seus programas prediletos de televisão. Alguns liam jornais na varanda, olhando ao mesmo tempo os transeuntes, o vento balançando samambaias, entre uma e outra olhadela na saia da Marylin Monroe... , que esvoaçava do outro lado da rua...

E os cães, ah, os cães, aqueles grandes sobreviventes de nosso tempo, perambulam pelas ruas, como sempre, a urinar em postes, pneus de carros e caras bêbados desmaiados nas calçadas, independentemente do WhatsApp...

É daquela música que me lembro de um daqueles pesadelos recorrentes...

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 11/05/2017
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