Mais um João

João da Silva. Um nome qualquer. Mais um entre milhões. Mais um com uma história triste, com cinco crianças, uma esposa, morte, pobreza e pouca alegria. Infelizmente, nenhuma novidade ou só exceção.

Com cinco anos, João começou a trabalhar. Com dez terminou a escola, já sabia rabiscar o nome e fazer algumas poucas contas. Com quinze, conheceu Maria. Com 17 a engravidou, quatro meses depois, sob a mirra de uma garrucha, se casou.

A vida foi passando, João, nem feliz nem triste, só observava os anos se transcorrerem, os filhos nascerem e crescerem. Esses foram cinco: Pedro, Malaquias, Joana, Marquinhos e Juninho.

Antes de Juninho nascer, algo mudou completamente a vida de João. O fazendeiro vendeu as terras e o gado. O novo proprietário mecanizou tudo e despediu metade dos funcionários, entre eles João e sua mulher, Maria.

- Que vai ser de nóis agora, Jão?

- Nóis vai pra cidade.

A mulher por um instante se anima.

- Pra cidade?

- É?

Depois do raro segundo de sonho, Maria se detém diante da dura realidade.

- E ocê lá sabe fazê alguma coisa lá?

- Não.

- Então como vai sê?

- Nóis se vira. Eu aprendo a fazê alguma coisa lá.

A mulher vai para a cozinha e descansa pela última vez os olhos nos pastos da fazenda, o medo pelo futuro dos quatro filhos (cinco com o da barriga) a fizeram derramar uma lágrima. João também olha para as terras na fazenda. Seus olhos estão secos, um homem forte não chora.

Na cidade, João foi trabalhar de pedreiro, alugou um barraco em um bairro distante (“Jão, aquela gente é esquisita demais, ouvi inté tiro hoje” “ Não aporrinha, mullhé. É o único lugar que dá pra nóis morá”)

Juninho nasceu, mas fraquinho, coitado. Magro, sempre doente. Um dia ficou com febre, muita febre. Maria passou a noite e a manhã inteira na fila de um hospital. À tarde, não precisava mais, Juninho tinha virado anjo, morrido puro na fila do hospital.

Pedro ajudou a mãe a cuidar do velório, Malaquias se trancou no quarto, não queria que o pai o visse chorando. Joana não se trancou em quarto algum, mas também chorava. Marquinhos, muito novo, não entendia nada:

- Pai, cadê o Juninho?

- Juninho morreu.

Marquinhos era muito novinho, não entendia nada.

- Pai, cadê o Juninho?

- Juninho... Juninho morreu!

Os olhos de João eram secos, seu coração quase uma pedra, mas dessa vez foi diferente, o coração não foi duro o suficiente e uma lágrima rolou de seus olhos.

João nunca foi feliz, mas até aquele dia nunca tinha sido triste. O tempo era implacável, a vida continuava passando, o homem de poucas esperanças estava destruído e não esperava mais nada.

- Burro!

- É você!

- Você que é!

Ao ver o rosto do pai, os dois garotos, por respeito e medo, se calam.

- Qual o motivo da discussão?

Os dois se entreolham, se acusando.

- É o Pedro, Pai. Ele é burro. Ta dizendo que um milagre vai fazer nóis deixá de ser pobre.

- Que história é essa de milagre, minino? Pobre nasce pobre e morre pobre.

Malaquias satiriza o irmão mais velho.

- É, um anjim no céu vai descer e construir uma mansão pra nóis, kkkkkk.

Pedro ollha com raiva para o irmão.

- Não é milagre do céu não, seu besta.

- Oxe, e lá tem outro tipo de milagre, minino?

Pedro se anima com o interesse súbito do pai pela discussão e coloca orgulhoso seu ponto de vista.

- É que eu aprendi que as pessoas vão mudar tudo isso aí, se unir contra aqueles que se aproveitam dos pobres pra ficar ricos. Gente como o senhor, Pai, vai, junto com as pessoas de bem que tem mais estudo, fazer esse milagre que é um mundo onde exista casa decente pra todo mundo, escola boa e onde minino nenhum morre em fila de hospital.

João sente as ultimas palavras como se fosse uma bomba no seu peito. Se sente mal ao se lembrar do filho morto e não responde. Liga a televisão e tenta descansar.

Mais tarde observa o filho mais velho entretido com um livro. “O moleque tem sonho”. Um sorriso, tão raro nos lábios de João, aparece. Tanta coisa aconteceu, ele mal se lembrava dos tempos de criança, quando ainda sonhava e sorria.

- Pedro, venha cá!

O menino vai de encontro ao pai rapidamente.

- Me responde uma coisa, moleque. Que série você ta fazendo?

- Oitava. Acaba esse ano.

- Num tem nada mais pra frente não?

- Tem, e muito. Mas o senhor ta sempre falando que nóis tem que terminar de estudar logo e ir trabalhá. Que já tinha estudado até demais.

- E me diz uma coisa, ocê quer continuar?

- Sim, senhor.

- Então não vai parar não. Mas vai ter que trabalhar de dia e estudar de noite. Um homem do seu tamanho tem que ganhar dinheiro. Ajudar na casa. Dá conta?

- Dô sim.

A alegria de Pedro é sem tamanho. Iria continuar fazendo o que mais gostava, estudar, e o pai, pessoa que ele mais admirava, tinha dito que ele era um Homem e sabia que o seu ídolo o admirava.

- Estuda. Um dia, você e seus filhos vão fazer esse milagre que ocê falou hoje à tarde.

O garoto sai correndo para a cozinha, contar para a mãe tudo o que conversou com o pai. João, mais uma vez, abre um sorriso, depois de muito tempo a tristeza o abandona e um raio de esperança ilumina seus pensamentos.