Conhecendo-se nos passos da vida

Tania, nascida em berço de ouro, como diria minha avó, depois de rodar o mundo em busca de seus objetivos, resolveu retornar ao Brasil e questionar-se profundamente sobre o que queria realmente da vida. Sempre agiu com auto-suficiência e muito pouco buscou aprender com as pessoas com as quais convivia nos mais diversos ambientes. Na verdade, era uma pessoa arrogante e, não raras vezes, excluída de ambientes sociais por sua forma de ser.

No seu apartamento na Giovanni Gronchi, em São Paulo, naquele final de tarde cinzento, tomando o seu café na enorme varanda e vislumbrando a grande favela logo abaixo, repensou sua vida. Afora os anos fora do pais, quantas e quantas vezes estivera naquela varanda, no mesmo horário, tomando o seu café e olhando a mesma favela?

O telefone tocou. Custou a encontrá-lo, já que a tarde fora de muita bagunça naquela sala onde de tudo tinha um pouco. Encontrou-o embaixo de uma almofada trazida da Tailândia. No outro lado da linha identificou a voz de José Paulo. Como ele soube do seu retorno?

Com a voz embargada conversou com José Paulo tentando mostrar-se o mais natural possível. Ele havia sido seu companheiro há anos. Viviam bem, eram companheiros e, na cabeça de Tania, ficariam juntos pelo resto de suas vidas, pois se amavam. Certo dia, através de um telefonema anônimo, ela tomou conhecimento de que ele tinha uma amante. Não precisou muito para confirmar o fato e jogar no lixo as suas expectativas e as roupas de José Paulo. Nunca mais se viram. Questionado sobre como ele havia descoberto o seu retorno para o Brasil, ele falou que nunca a perdera de vista e que queria naquele momento encontrá-la. E mais: que não admitiria recusa. Um misto de lembrança e emoções tomaram conta de Tania. Ele a havia traído da forma mais sórdida possível – com a sua melhor amiga - mas, mesmo assim, ainda não saira da sua cabeça.

Transtornada e ainda não adaptada ao retorno, Tania recusou o convite e imediatamente ligou para Vera, sua terapeuta nos tempos de pós-adolescência, uma das melhores pessoas que conhecera e que a auxiliara em muitas situações difíceis. Teve a sorte de encontrar Vera em casa e, em face da agradável surpresa, abrir-se para um encontro rápido no Restaurante mais próximo de sua casa. Tania colocou um batom, pegou sua bolsa e saiu do apartamento como se estivesse fugindo. O encontro com Vera, naquele momento, era tudo o que precisava, apesar dos longos anos sem contato e da forma dura que ela abordava os assuntos com o objetivo de “sacudir” a vida de Tania. De boazinha e compreensiva não tinha nada pensou Tania. Era, sem dúvida, uma terapeuta diferente.

Passado pouco tempo do encontro Tania falou: “Vera, por favor abra sua agenda para atender-me novamente. Além desse reencontro, precisarei de ti novamente. A Tania velha de guerra ainda não amadureceu”.

No dia posterior uma nova ligação de José Paulo, insistindo no encontro e alegando que, depois de tantos anos, os dois mereciam uma chance para conversarem e tentarem entender um ao outro em relação ao que havia acontecido. Destemperada Tania ligou para Vera, não sem antes, jogada na cama, olhar sem qualquer intenção para o seu closed e, de imediato, visualizar o lindo lenço cor de carmim jogado displiscentemente sob um cabide, justamente por ter ornado seu visual na viagem e ainda não ter sido guardado. Aquele lenço, por todos os anos passados, era a marca de José Paulo ainda cravada na sua vida.

A voz de Vera era firme e, após ouvir o que Tania tinha para falar, argumentou: “Será necessário eu repetir mais uma vez que nada é fácil nesta vida? Que os caminhos se cruzam e lá adiante podem se desencontrar? Que traições existem na vida real e que precisam ser enfrentadas? Se chegaste a ter dúvida em relação ao encontro é porque ainda tens vontade de reencontrá-lo; caso contrário terias novamente recusado”.

Mais serena, Tania retornou a ligação para José Paulo e aceitou o convite. Para relaxar da decisão tomada resolveu tomar uma ducha. A água se fazia necessária para extirpar todo o medo que teve até então. Ainda com as malas por desfazer, abriu a gaveta do seu criado-mudo. Dentro dela uma fotografia dos dois, em Paraty, datada de uma semana antes da descoberta da traição. Mesmo assim, não ousou recuar.

Apanhou a fotografia e jogou-a na bolsa. Pensou: “posso valer-me dela no caso de sentir-me ainda humilhada, no caso de ele mentir pela milésima vez, no caso de eu querer vingança”. O encontro fora marcado mas a estratégia não demarcada. Um ponto de interrogação no ar pairava sob a cabeça desgovernada de Tania que jamais imaginaria retomar qualquer contato com José Paulo. No encontro, após um abraço fraterno, Tania foi surpreendida por uma visitante inusitada em frente à José Paulo. De quebra um rápido beijo na boca. Questionou-o sobre quem era a moça. A resposta veio de pronto, de maneira muito displicente: “uma amiga, é claro!”. Tania, enfurecida, esqueceu da sua educação, do quanto não deveria cobrar absolutamente nada dele e, aos gritos e com as mãos grudadas na mesa como se fosse sair imediatamente, falou: “Não, não, não ... tu continuas o mesmo José Paulo. Eu jamais deveria ter cogitado aceitar o teu convite.”

Bruscamente levantou-se da mesa deixando cair a sua bolsa. José Paulo, ao tentar apanhá-la foi pego de surpresa com um murro de Tania no seu braço. Quieto e com vergonha, retornou ao seu lugar enquanto Sandra saia e esbarrava em um casal recém chegado, deixando o lenço que usava, cor de carmim, rolando pelo chão do restaurante.

Rosalva
Enviado por Rosalva em 29/05/2017
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