LUD HELISON E SUA ESTRELA GUIA

Esta é a história de Lud Helison, o homem que se humanizou para, em seguida, aprimorar-se como pessoa no convívio social. Órfão de pai aos 26 anos de idade, um dia após a sua graduação em História, Lud não perdeu o rumo, malgrado o sentimento de luto. O pesado torpor não se apoderou da sua alma a ponto de deixá-lo prostrado. Nada restara da vida pregressa, a não ser a esperança de construir um novo mundo onde pudesse vislumbrar novos horizontes, em busca da sonhada realização profissional. Na pontuação da sua história, não era afeito a empregar o ponto final. Todos os reveses que sofrera na sua trajetória foram pontuados com uma vírgula, na medida em que o fracasso ensina a abrir a porta para o sucesso. Era capaz, como o mar, de decompor os resíduos de mágoa que flutuavam no coração nas vezes em que era alvo de amargas decepções. Lud Helison, filho de Heli, veio ao mundo com a leveza incandescente desta virtuosa estrela guia: a indulgência. A vida é leve quando encarada com a leveza da indulgência. Desta virtude todos os seres humanos necessitamos, já que ninguém é perfeito. Por isso, não há injustiça maior do que negar a alguém o direito natural de se tornar melhor, conhecendo-se e aprendendo com o mal a praticar o bem, mesmo porque ambos são imprescindíveis à evolução inerente à Natureza (física e espiritual). Segundo o moralista e escritor francês Jean de La Bruyère, "a indulgência é a virtude daqueles que se conhecem". O autoconhecimento é o que dá sentido à vida. Depois de provar o sabor emocional de alguns sonhos frustrados e outros realizados, Lud adquiriu o aprendizado de estar no mundo deste jeito:

L - Vendo a grandeza da simplicidade;

E - Aceitando mais e discriminando menos;

V - Vendo a nobreza da humildade;

E - Auxiliando mais e recriminando menos;

Z - Vendo a riqueza da honestidade;

A - Amando mais e odiando menos.

Vivemos a era do egoísmo, disse certa vez o professor Lineu durante uma palestra no auditório da Universidade. Mais que isso, acrescentou o mestre, vivemos a era do egotismo, que é o egoísmo exacerbado. O culto exagerado do ego é a nascente do rio da intolerância, que traga e afoga tudo que vai de encontro ao pensamento hermético dos grupos radicais majoritários, em detrimento dos lídimos interesses dos segmentos minoritários da sociedade. Exemplos dessa realidade perversa são, dentre outros não menos importantes, a intolerância religiosa, o preconceito racial e o discurso homofóbico. Vale ressaltar que no atual quadro de instabilidade política, a corrupção público-privada de poucos tem ocasionado a penúria de muitos, que se veem privados de serviços públicos essenciais em decorrência do desvio e da lavagem do dinheiro público, que poderia ser investido na melhoria da qualidade de vida da população, principalmente das camadas sociais mais vulneráveis devido a maior hipossuficiência econômica. Se o ser humano, ainda moralmente imaturo, não aprender a perdoar, de boca e de coração, jamais será feliz, porque viverá sempre num ambiente hostil e enodoado de indiferença, que é a essência da desumanidade. Ao final da palestra, Lud fez questão de levantar-se da carteira e ir cumprimentar o historiador pela didática, pelo senso crítico e pelo interesse que despertou nos alunos pelos temas da atualidade.

Lud, que era solteiro, morava num apartamento de quarto e sala que lhe fora doado pelo pai antes do apagar das luzes de sua vida terrena. O carpete de náilon e o rebaixamento do teto tornaram o quarto de dormir mais aconchegante. Numa dessas noites de inverno, enquanto dormia aquecido pelo espesso cobertor, Lud teve um sonho esclarecedor que o marcou para sempre. Neste sonho inusitado, viu-se diante de sua própria imagem, como se estivesse em frente a um espelho suspenso no ar. A conversa transcorreu em tom amigável, porém sério.

— Se não eu, quem é você? — perguntou Lud, quebrando o silêncio.

— Eu sou o teu eu superior, o nível de consciência mais evoluído que possuis, a estrela que te guiará pelos caminhos evolutivos do plano material — respondeu a imagem com um ar de sinceridade.

— Tem algo de importante a me dizer? — indagou curioso.

— Apenas esta indagação. Por que andas tão revoltado com a vida? — quis saber o eu superior.

— Porque me decepcionei com pessoas que eu julgava minhas amigas, mas que traíram a confiança que depositava nelas — explicou.

— O aprimoramento moral ocorre por etapas. Lenta e gradualmente em passos curtos e seguros. Na etapa atual, é crucial e impostergável que saibas que com a mesma chibata com que açoitares os teus desafetos hoje, também serás açoitado amanhã. Tal é a irrevogável lei do retorno da justiça divina — advertiu.

— O que quer que eu faça então? — inquiriu impaciente.

— Abandona a vingança e abraça o perdão. Só assim viverás em paz contigo mesmo e com o mundo — aconselhou a voz da consciência.

Lud despertou do sono com esse diálogo gravado na memória. Palavra por palavra. O relógio de pulso marcava seis horas, e o dia amanhecera exibindo um céu aberto. Esfregou os olhos para espantar o sono, levantou-se da cama e foi até à cozinha preparar o lanche matinal.

Pão com manteiga e café. O de sempre. Enquanto fazia o café, refletia detidamente sobre o que sonhara naquela noite de inverno. Por algum instante, a brisa que atravessava a janela tocava-lhe o rosto suavemente, ao mesmo tempo que um perfume agradável dominava o ambiente.

No terreno arborizado que ladeava o edifício onde residia no quarto andar, as aves canoras pousadas nos galhos das árvores encopadas soltavam o canto mavioso, completando a beleza daquela manhã radiante. O Sol espargia raios de luz que revelavam as variadas cores das paisagens exuberantes que durante a noite tiveram a vivacidade desvanecida pela densa escuridão. Em algum momento daquele dia ímpar de sua vida, Lud tomou a decisão de seguir o conselho de seu eu superior, que enxerga além do que a sua visão corporal pode alcançar, passando a perdoar primeiro para depois julgar, consciente e conformado com a própria e a alheia imperfeição. Além disso, percebeu também, com um assomo de bom senso, que, por força da condição existencial humana, tão penosa e insegura, o que muitas pessoas precisam realmente é de ajuda, não de punição, uma vez que uma atitude de solidariedade causa condicionamento — gentileza gera gentileza —, enquanto que um gesto de agressividade provoca resistência — violência gera violência —, em razão disso, enquanto houver algum bom senso nas relações sociais haverá alguma possibilidade de boa convivência na sociedade. O perdão pode até não reatar a relação rompida, mas não agravará a desarmonia; a vingança, por sua vez, transformará a desavença num mar bravio de águas enturvadas pelo rancor, que além de não resolver problema nenhum, ainda pode levantar uma enorme onda de infelicidade.

DEUS É AMOR

Generoso e amante,

Grande artista da natureza,

Criador de toda beleza,

Formoso e cativante.

O amor está na origem

De toda criatura humana,

Está na vida selvagem,

E na vida urbana.

Alguns o chamam de Deus,

Outros, de Jeová,

E ainda outros, de Buda;

Mas isso em nada muda

A espiritualidade que há

Nos crentes e nos ateus.

Os homens são desiguais

Na sua dimensão espiritual,

Embora sejam iguais

Na sua dimensão carnal.

Da diversidade de maneiras

De pensar e de agir,

A natureza fez surgir

A solução verdadeira

Para toda discordância,

Dando à luz do mundo

A semente da tolerância

E um terreno fecundo,

Para germinar, e crescer,

E dar a quem quiser receber

O amor que por demais merece,

E ao mundo a paz de que carece.

O amor acalma os ventos,

E abranda os sentimentos.

Lud Helison

PALAVRAS FINAIS

É preciso que seja ensinado,

Fervorosamente e com perseverança,

Que o perdão incondicionado

É uma necessidade humana,

E a vingança,

Uma fúria insana.

FINAL

Carlos Henrique Pereira Maia
Enviado por Carlos Henrique Pereira Maia em 04/07/2017
Reeditado em 10/09/2017
Código do texto: T6045480
Classificação de conteúdo: seguro
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