Adélia

Ela sentou-se nos trilhos onde o trem passava de hora em hora. A vida de Adélia parecia terminar ali. No entanto o tempo, naqueles dias de guerra iminente, não.

Sentada nos trilhos frios ela tinha certeza de que o trem a esmagaria junto as ilusões que arrancaram sua alegria até aos ossos. Via passar em recordações malquistas coisas animadas e inanimadas. Sua mente estava doente.

Seu corpo sentia o frio dos trilhos nos nervos enquanto passava por seus olhos úmidos letras de músicas que ela cantara e ouvira nos dias de festa nas fazendas e vilarejos. Amores, tivera alguns, e os guardava todos em seus baús de lembranças, pois achava que ama-se várias vezes na vida, de várias formas e de maneiras diferentes. Mas aquele último amor, achava ela, era para a eternidade. Não aceitava perdê-lo.

Em sua cabeça de mulher meio menina sabia que as pessoas são únicas. Sabia que era única. E entendia quão era sofrida por tempos vividos em grande melancolia e queria, naquele dia e momento, que o mundo acabasse tendo em vista o ''outro lado da vida'' como morada de tranquilidade, de harmonia e de paz eterna.

Quando criança, cheia de vontades, gostava de ''ser'' bailarina, gostava de assistir aos musicais nas emissoras de tv e quase sabia dançar... Dançou na chuva, dançou nas festas escolares, dançou valsa aos quinze anos e dançou, por último, na vida.

Queria a morte, mas o trem não passou e ela voltou à sua cidade. Teve uma idéia, e então o plano: morreria em um dia de domingo. (achava bonito e cômodo morrer aos domingos). Morrer em dia útil seria complicado para seus familiares e amigos... Estariam todos em suas labutas diarias. Então, preferia o domingo.

E na semana seguinte, no domingo dera uma festa para poucos amigos, os mais chegados, que nem de longe imaginavam o que aconteceria nas horas seguintes ao término daquela reunião tão maravilhosa. Lembravam-se de momentos inesquecíveis compartilhados em suas vidas. Estavam alegres, felizes e satisfeitos quando saíram para suas casas. Adélia fora até a saída e abraçara a todos longamente escondendo a face oculta da morte sob os cabelos lisos.

Voltou, olhou os copos vazios sobre a mesa. Percebeu o quanto vazia estava. Preparou uma última dose de vodka e tomou junto aos medicamentos que já há tempos fazia uso sem que muitos dos amigos soubessem.

Adélia morrera em um dia lindo de domingo, e até hoje ficou uma duvida: não se sabe se ela foi para o céu.

Corina Sátiro
Enviado por Corina Sátiro em 06/07/2017
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