LIXÃO

As luzes daquela metrópole, nessa noite fria, era mais forte. Acho que naquela noite de domingo havia festa por Lá, eu me encontrava contemplando-a. Até via fogos queimar sob aquela cidade feliz. Tinha uma ponte que ligava de uma ponta a outra, os carros movimentavam com intensidade. Era aquela cidade sendo cidade.

Hoje amanheço com o sol na cara, como sempre. O dia nunca será diferente apenas nós que ficamos diferentes ao dia que nos vem. O relógio da igreja bate 6 horas. Espreguiço-me e pego meu carrinho.

-Parece que hoje vou fazer uma grana, aquela festa de ontem vai me render.

Era o que acontecia no peito calmo daquele rapaz de 18 anos. Seu rosto formoseado indicava seu coração alegre, tinha uma tenacidade incomum dentre os homens de paletó que pela praça caminhavam. Passavam apressados. O rosto deles pareciam cansados, eram robôs sem consciência que eram robôs. Menino firme, moço decido, já profetizava o lucro dessa manha.

Ele descia a Avenida São Sebastião, empurrando seu carrinho cheio de papelão. Ele sempre tivera um sonho, queria muito comprar uma lanterna, mas não era uma lanterna qualquer, era uma lanterna de caça, aquelas lanternas noturnas, era um sonho peculiar. O mundo apressado das pessoas não compreendia o desejo esquisito daquele menino.

Tinha um problema, a almejada lanterna custava pra Lá dos 115$, ele nunca tinha o valor total, ‘’menino burro’’, ’’ Como é que pode não conhecer todos os números e não saber ler’’, era o que o dono da loja dizia sorrateiro para os vendedores todas as vezes que ele ia furtivamente e vagamente perguntar se o dinheiro dava pra levar aquela lanterna grande, com laser, com uma cordinha que dava para segurar e andar com ela na mão, era o seu sonho, há alguma loucura deste sonho?

-Então, se ele disse que falta muito, eu tenho que acordar mais cedo, é, é isso mesmo, tenho que me sacrificar, ainda vou ter aquela lanterna pra alumiar meu ‘’habitat’’.

O relógio bate 04h30min da madrugada no relógio da igreja central. Ele levanta. Ele levanta? Ele se ergue mais convicto que antes. Como pode? Menino sujo. Moleque maltrapilho. Ele pega seu carrinho e começa a busca por papelão e latinhas. Chegou até agradecer o desequilíbrio dos homens noturnos.

De longe dava para o ver descer a avenida novamente, no entanto, dessa vez ele vinha com um desespero alegre, sua face expressava felicidade misturada com ansiedade, mas era aquele mesmo menino, dava pra ver o dinheiro na sua mão, parecia um sapo estufado, eram todas notas de 2$. Jogou seu carrinho na garagem, entrou correndo dentro da loja.

Minutos depois, ele sai, namorando sua lanterna amada, agora já não era um amor platônico, ele a tinha em suas mãos, dava pra ver a expressão de sua alma em contato com sua finalidade, era matéria?Era, mas para um morador do mundo, não havia nada de mal. Ele só queria alumiar aquele lixão da cidade, onde pela noite tinha dificuldade de chegar até lá para procurar algo de valor. Valor? Ele encontrava valor. Deitava em um sofá velho e descansava de corpo virado para aquela cidade. Era seu momento de contemplação. Com a lanterna na mão iluminava a correnteza do rio que descia, seu peito palpitava mais forte que antes, era o prazer de um menino com sua lanterna na mão. O lixão existia naquela noite silencioso como sempre, mas o êxtase daquele moleque descompassava a existência crua e podre do lixão daquela cidade...

As luzes clareavam a metrópole, nessa noite fria, era mais forte. Acho que naquela noite de domingo havia festa por Lá, eu me encontrava contemplando-a. Até via fogos queimar sob aquela cidade feliz. Tinha uma ponte que ligava de uma ponta a outra, os carros movimentavam com intensidade. Era aquela cidade sendo cidade...

Antônio Freire
Enviado por Antônio Freire em 07/07/2017
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