Vaga-Lumes
Caía a tarde vermelha sobre as claras águas do lago, que alimentava alguns poucos habitantes daquele lugar esquecido da civilização, mas lembrado por Deus, tal a beleza da sua natureza.
Um esguio e pobre rapaz, de pele canela, cabelos lisos e maltratados, sempre pescava seu jantar encostado num velho tronco, perto da pequenina ponte de madeira que conduzia ao vilarejo e que era o ponto de referência dos serenos moradores. O pobre rapaz permanecia por ali até o momento em que milhares de vaga-lumes apareciam e ficavam pirilimpando por sobre a ponte e essa era a hora em que passava em direção à escola noturna do vilarejo a bela morena dos olhos amarelos. No instante em que ela colocava os pés na ponte, o rapaz rapidamente se levantava da pescaria, deixava tudo ali mesmo, pegava seus livros e os vaga-lumes o circundavam e perseguiam, até chegar à ponte; Ia à certa distância, somente admirando e sonhando com aquela moça de olhos amarelos.
Mas existem dias em que tempestades chegam para acabar com tudo: O lépido rapaz foi convocado pelo seu país a lutar numa guerra que nada tinha a ver com sua terra, nada tinha com a sua vocação e nada tinha com a sua vida. Calado em frente ao lago, pouco antes de partir para onde nunca havia desejado estar, olhava os vaga-lumes, que, como sempre, o rodeavam. Sentia a mão de ferro do tempo apertar seu peito e sua garganta, deixando que suas lágrimas escorressem com ardor pelo rosto. Olhava para o céu e as estrelas cintilavam brancas e os pirilampos cintilvam verdes.
A imagem fez com que sentisse um desespero enorme, obrigando-o a esconder o rosto entre as mãos. Chorou muito e, então, duas mãos delicadas abraçaram-lhe as costas, num forte e sensível aperto e, ao se virar, reconheceu o rosto lindo de todos os dias. O rosto da moça estava triste pois sabia da sua partida e o momento triste tansformou-se em abraços e beijos, em princípio suaves, mas arrebatadores em sentimentos. Os vaga-lumes piscavam rapidamente, dando um efeito único aquele momento de amor, entre lágrimas de dor.
Quando o barulho de um caminhão roncando, surgiu forte, fazendo ranger as velhas madeiras da ponte e anunciando que era hora de partir, os dois que ainda estavam em seu primeiro beijo, pararam e trocaram suas primeiras palavras:
— Preciso ir, mas gostaria de lhe dizer uma coisa.
— Diga tudo o que quiser.
— Venha aqui todos os dias e olhe os vaga-lumes, se um dia eles não aparecerem, saberá que algo me aconteceu e se um dia neles notar um brilho diferente, saberá que estou a chegar.
— Vou te esperar pelo resto da minha vida se necessário.
— Te amo!
— Te amo!
Um pequeno beijo tilintou pelo ar e o rapaz se foi na boléia do caminhão.
Todos os dias a moça morena ia até o lago e sentia a serenidade do local, com o pirilampar dos vaga-lumes. Um dia, porém, os vaga-lumes surgiram em grande quantidade e a circundaram como antes nunca haviam feito e, num repente, deixaram de piscar, apagando-se junto com as estrelas. Forte dor tomou o peito da moça e lágrimas rolaram. Então, ela olhou para o alto e disse:
— Meu amor, como sei que nunca mais voltará para mim nesta vida, ficarei aqui até o dia em que vier me buscar.
E assim, ela passou muitos dias ali, num calado silêncio, até que olhou para o lago e milhões de vaga-lumes fizeram uma ponte entre si, criando uma escada que ia alto, muito alto e sem demora, ergueu-se e andou levemente por cima da ponte de pirilampos, foi subindo e subindo até que sentiu uma mão pegar a sua. Olhou para o lado e viu: Era seu amor. Sorriram, então, um para o outro felizes e, lado a lado acabaram de subir a escada.
-Marcelo Bello de Oliveira-
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