A POEIRA DAS ASAS DOS CORVOS

Em busca de melhores condições de vida, muitas pessoas que se encontram na linha da extrema pobreza, desassistidas nas regiões menos favorecidas pelo modelo de produção capitalista, deslocam-se para regiões mais industrializadas. A migração do campo para a cidade é chamada de êxodo rural, uma realidade vivida por muitas famílias motivada pela mecanização das atividades agropecuárias. Uma parte significante dos migrantes brasileiros dirige-se para a região sudeste do país. A história da população economicamente hipossuficiente brasileira é uma história de migração. A mobilidade espacial da população carente contribui para a elevação dos índices de desemprego, subemprego e criminalidade nos bolsões de miséria dos grandes centros urbanos. As cidades interioranas, caracterizadas pela diminuta arrecadação tributária, oferecem melhor qualidade de vida à população no tocante à segurança individual devido às baixas taxas de crescimento econômico que não constituem um fator de atração dos retirantes, evitando, por conseguinte, o surgimento de favelas, o inevitável, embora reprimido pelos órgãos policiais, aumento da violência urbana e a reprovável expansão do tráfico de entorpecentes, como alternativa para a falta da qualificação profissional necessária ao ingresso no mercado formal de trabalho. Entre 1960 e 1980, ocorreu um intenso deslocamento espacial no país seguido, nas décadas seguintes, de uma desaceleração provocada pela implementação de programas governamentais de fixação do homem no campo.

Assim se expressou a ilustre poetisa Cecília Meireles, motivo de orgulho para a Literatura Brasileira, no poema Poeira, que convida o leitor à reflexão sobre as desigualdades sociais e a luta árdua travada pelos retirantes para conquistarem um espaço na sociedade onde possam sobreviver com a dignidade possível dentro de um contexto histórico de injustiça social que remonta à época da escravatura, batalha essa que, uma vez perdida, fatalmente os condena à poeira das ruas, como mendigos, ou à poeira das estradas, como andarilhos sem destino.

Por mais que sacuda os cabelos,

por mais que sacuda os vestidos,

a poeira dos caminhos jaz em mim.

A poeira dos mendigos, em cinza e trapos,

dos jardins mortos de sede,

dos bazares tristes, com a seda a murchar ao sol,

a poeira dos mármores foscos,

dos zimbórios tombados,

dos muros despidos de ornatos,

saqueados num tempo vil.

A poeira dos mansos búfalos em redor das cabanas,

das rodas dos carros, em ruas tumultuosas,

do fundo dos rios extintos,

de dentro dos poços vazios,

das salas desabitadas, de espelhos baços,

a poeira das janelas despedaçadas,

das varandas em ruína,

dos quintais onde os meninozinhos

brincam nus entre redondas mangueiras.

A poeira das asas dos corvos

nutridos de poeira dos mortos,

entre a poeira do céu e da terra.

Corvos nutridos da poeira do mundo.

De poeira da poeira.

A origem da identidade sombria atribuída aos corvos está relacionada com algumas práticas comuns dessas aves, como, por exemplo, os hábitos necrófagos. Os corvos alimentam-se de cadáveres. Castro Alves, o poeta dos escravos, retratou em sua magnífica obra poética a realidade social que vivenciou no Brasil. Fazendo uso de uma linguagem romântica, o poeta baiano denunciou a exploração da mão de obra dos negros trazidos da África pelos colonizadores europeus. Por meio do mercantilismo, a escravidão chegou ao Brasil para substituir os nativos brasileiros nos engenhos. Esse tráfico de pessoas proporcionava lucro à Coroa Portuguesa, que arrecadava os impostos cobrados dos senhores de engenho. Sombrios como os corvos, os ioiôs, como eram chamados pelos escravos, desprovidos de sentimento humanitário e ávidos por riqueza, viam e tratavam os escravos como simples mercadorias, e não como seres humanos merecedores de respeito.

O Iluminismo, com seu ideal de liberdade, originou um movimento abolicionista que se organizou para repudiar e impedir as atrocidades cometidas pelos atros escravocratas. Decisiva para dar um basta definitivo ao escravismo inescrupuloso praticado no Brasil foi a pressão exercida pela Inglaterra no século XIX, que era a superpotência econômica e militar daquela época.

Carlos Henrique Pereira Maia
Enviado por Carlos Henrique Pereira Maia em 11/08/2017
Reeditado em 11/09/2017
Código do texto: T6081033
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