Órfã

Rio de Janeiro, em um passado não muito distante, último ano do século XX. Era tarde da noite quando Tenório dirigia parati azul antiga ziguezagueando pela pista, reclamava e reclamava de algo que nem ele mesmo sabia mais ao certo do que se tratava. As palavras saíam pesadas, ininteligíveis. A mulher ao lado dele parecia irritada, mas mantinha-se contida, calada como o marido exigia. Quando estavam na Rua Conde de Leopoldina para entrar na Avenida Brasil, sem o reflexo necessário, o motorista entrou com o veículo azul na avenida, sem perceber o caminhão com farol direito apagado que passava em alta velocidade na via principal. Ouviu-se apenas um barulho alto e seco. Foi tudo muito rápido e extremamente violento. Ambulância. Perícia. O relatório policial registrava um triste milagre. Ainda naquela madrugada, em casa, o telefone tocou e a filha, que se chama Sandra, soube do acidente fatal. Aos nove anos, a pequena garota não perdera apenas a mãe. O pai sobreviveu para amargar a culpa. Hoje, cinco dias após o acidente, a filha está calada, inocentemente sentada em um sofá colorido numa sala com alguns brinquedos. Ela ainda não consegue entender o que houve. Não compreende bem a causa de não mais poder ficar com o pai, especialmente depois que a mãe a abandonou sozinha neste mundo. A tia, que viera buscar Sandra no Juizado de Menores com o intuito de levá-la para São Paulo, disse à menina que a mente do pai sobrevivente agora passeia pelo infinito à procura de um conforto que talvez jamais ele encontrará.

Odlinere Oliveira
Enviado por Odlinere Oliveira em 13/08/2017
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