A Batalha

Na noite de sexta feira, estavam vários rapazes conversando a beira do canal do Barreiro, de súbito aparecera um carro prata, que baixando rapidamente a janela e colocando cano de armas para fora, sem dar trégua, sem perguntar e acima da lei, fazendo o seu julgamento decidiu, quem ia morrer ou viver. E executou vários tiros a queima roupa na direção dos rapazes, que despertaram a comunidade em um susto, que se traduz no medo, de quem vive ali.

Dos cinco rapazes, três se jogaram no canal e dois foram os alvejados, mas um só morreu na hora. O sobrevivente foi levado às pressas por conhecidos e parentes ao posto de saúde mais próximo.

O carro prata, assim como veio desapareceu, deixando para trás cartuchos, fumaça, gritos , sangue e desespero. Comentários que se seguiram até o dia raiar insuflando um sentimento de revolta.

O que morreu era bandido como destrinchou o jornal local, os que se jogaram no canal eram garotos da área, que não se tinha conhecimento deles em envolvimento com bandidagem e o outro que estava no hospital, era estudante, que antes do fato, de sua janela mexeu com os seus colegas e desceu ao encontro deles para servi-los água.

Num entra e sai de gente para ver o local e o corpo jogado no chão, da insegurança e do medo arraigado a sensação de desconforto frente a insegurança e a impunidade. Acuados pelas visitas regulares do carro prata, vermelho e preto , que a cada noite ou dia deixam mais vitimas. Assenhorados a miséria da periferia, bem como a falta de estrutura, de educação, de moradia digna, de respeito, entre outras situações ou variáveis que somam a conjuntura de caos, no país, os moradores, pais e amigos dirigiram-se a Avenida Pedro Álvares Cabral com paus, pneus, latas e interditaram-na pedindo JUSTIÇA.

Na manhã de domingo estava um caos e tudo foi de questão, o jornal fazia a cobertura falava do histórico do morto e se atrevia a estereotipar o local. Resenhava a falta de segurança, questionava o surgimento de bandidos, questionava os justiceiros, falava dos perigos naquele local e até comparava a cidade ao Rio de Janeiro. Mostrava casos antigos e incendiava a opinião pública. Como num duelo, antigo, entre nobreza e povo, a elite contra a periferia, o recado foi dado e os guardas no quartel receberam mensagem do Secretario de Segurança para não se intimidarem, foram ao local e desobstruíram a via.

A noite foi caindo gradativamente, os nervos aflorados, os sentimentos e direitos tombados pelo desrespeito moral, pela impunidade acesos na discussão foram calando. E quando parecia que a noite teria o seu lar na paz do sono lívido, veio o carro preto e matou um motoqueiro, ensanguentando a madrugada, que segundo o jornal da segunda, tinha passagem na policia, mas para a comunidade era ex - traficante. Um rapaz de bem, que estava na igreja e que aos poucos ia seguindo outro caminho.

Sem pensar muito, parentes e amigos, vizinhos partiram pra interditar, de novo a via principal de acesso ao centro da cidade, mas que foi repelido pela força policial.

Na noite de segunda feira a comunidade em procissão, sob o sentimento de dor, de pesar, de miséria, de opressão caminharam em protesto para aquela via e decididos fizeram o céu ficar vermelho, sob um fogaréu de pneus a queimar ao ar livre, bem no meio da rua.

Após o pronunciamento do governador e do secretário de segurança oito carros de combate e centenas de policiais fizeram um cerco na área, mas foram de imediato rechaçados com paus, pedras e insultos. Todos da comunidade, idosos, crianças e senhoras e senhores, em sua maioria gritavam em uma só boca justiça! Direitos! Democracia!

Quando o reforço chegou, feito cachorros loucos a ladrar, os carros e policiais inumanos adentraram o bairro com seus escudos, gás lacrimogênio e balas de borracha. A guerra estava decretada, com o rosto encoberto, a comunidade se valia de pedras, paus, barras de ferro e escudos de madeira, enquanto que a policia esviscerava com o seu aparato estrutural e suas táticas a comunidade enfraquecida já se escondia, corria e engolia a ofensa, com o ódio no coração.

Presos, pancadaria, tiros e palavrões sanaram a boca sedenta e a alma magoada da cidade no fundo do quintal. A obediência a lei, que não conseguia descobrir os agressores, milicianos apoiados, senhores acima do bem e do mal.

Ninguém está a salvo, nesse fogo cruzado, de bandidos e milicianos estão os cidadãos, por trás uma sociedade, que não sabe ao certo de onde vem a fumaça, pois que o fogo só da pra ver dos apartamentos, no centro da cidade, mas não se tem detalhes, a não ser, quando o jornal, que pertence a nobreza faz o seu papel nobre, desenhando um estereotipo do convencional:

“Bandidos se matam na periferia” e essa é a sentença final.