Querido Saulo

 

      Não era minha intenção incomodá-lo, agora, com problemas domésticos, mas a questão é que os últimos acontecimentos, além de surpreendentes, foram incontroláveis e desejo compartilhá-los com você.

      Eles se aproximaram tímidos e desconfiados. Talvez em busca de abrigo ou alimentos, mas depois de pouco tempo notei que o atrativo era Berlioz. Sim, o nosso velho cão basse, companheiro de tantos anos.

 A princípio cheguei a achar graça naqueles bichinhos pulando pelas árvores ou permanecendo imóveis de cabeça para baixo, presos nos troncos, horas à fio, observando os movimentos do cão. Soltavam uns guinchos agudos, surpreendendo-me, já que não conhecia essa faceta dos esquilos.

      Berlioz não demonstrou hostilidade aos pequenos animais nos primeiros dias, mas com o passar do tempo e o aumento do número dos esquilos, começou a mostrar-se inquieto e irritado.

      Latiu. Latiu por horas seguidas, dias a fio. Tentava acalma-lo e espantar os esquilos, mas era uma luta sem sucesso.

      Gradativamente, os esquilos foram ocupando troncos, muros e gramado. Toda a área externa de nossa casa transformou-se num mar castanho, onde pares de brilho saltitantes denotavam o caráter vivo daquele fenômeno.

      Coloquei Berlioz para dentro de casa.

Conheço sua opinião quanto à permanência de cães no interior das casas, mas eu precisava protegê-lo. Consegui meu intento, por algumas horas. Ele se aquietou e até dormiu no tapete da sala, estava exausto de tanto latir.

      Foi, no começo do terceiro dia, que percebi alguns ruídos, vindos do forro de madeira, e a seguir os pequenos demônios encontraram a chaminé da lareira, fazendo dela seu portal de entrada. Novamente, vieram aos poucos, sorrateiros, lépidos, ariscos e paulatinamente, tornaram-se mais ousados e invadiram a sala, subindo nos móveis e paredes, sem nunca perder de vista Berlioz.

      Tentei de tudo. Espantei-os com panos vermelhos, acertei uns e outros com a vassoura, bati tampas de panelas, mas tudo o que consegui foi assustar mais nosso querido Berlioz, que uivava, pedindo socorro. Aconcheguei-o no colo, acalentei-o, mas ele sabia, meu caro, sabia que não havia salvação possível. Naquela noite não dormi.

      Ao amanhecer tentei fugir. Com dificuldade, pulando entre aquelas bolas peludas cheguei à porta da frente e não consegui abri-la, pois estava calçada pelos bichos. Tentei ainda a porta dos fundos e as janelas, todas emperradas, pareciam coladas aos batentes.

      Foi só quando já sentia as caudas peludas dos pequenos animais tocarem minhas narinas, que o desespero me tomou por completo. Faltava muito pouco para nos afogarmos. Lembrei, então da cave, abandonada por nós, talvez por ser subterrânea, e me arrastei, como pude até lá. Com grande dificuldade abri uma fresta do alçapão e consegui me esgueirar para dentro. Não pude levar o Berlioz comigo. Bati a porta e para meu alívio percebi o espaço vazio. Exausta sentei nos degraus, apoiada na parede dormi, sem me dar conta disso. Nem sei por quanto tempo ressonei alienada de tudo, mas quando acordei, notei o profundo silêncio a me rodear. Cuidadosamente, entreabri a tampa da cave e vi nossa sala desocupada. Inspecionei tudo. Encontrei pelos marrons em grande quantidade, espalhados pelo sofá e tapetes. Fora isso, tudo estava imóvel, silencioso, livre.

Nunca mais vi Berlioz.