Como num Filme

Entre as montanhas a beleza do sol que se punha era multiforme, a entonação do céu era quase que singular ao misturar entre as cores sublimes desenhos em forma de nuvem.

 

Ao som do cantar de pássaros e ao soprar sutil do vento, o mundo era apenas o que via. No pasto verde que de longe se mostrava brumoso, as andorinhas pousavam roçando suas penas sobre as poças de água que de forma dispersa se distribuíam.

 

Meu cantar silencia ao passar dos olhos sobre uma figura que caminhando modificava a paisagem pintando um novo elemento no quadro que via, alterando assim o seu valor, o seu conceito, a sua forma e energia.

 

Das imagens que se formaram em minha mente e que também refletiram no meu corpo, a mais cativante foi o olhar da doce figura que atravessava o caminho da paisagem fazendo-a ser muito mais completa, uma obra-prima de arte.

 

O encantamento de seu rosto resplandecendo e sendo tocado pelos últimos raios de sol conduziu-me ligeiramente a um forte desejo do qual eu não saberia explicar nem mesmo identificar entre todas as outras figuras algo que fosse simplesmente parecido com a imagem que via. Numa cor morena, quase em tom marrom e de olhos azul-celeste, a cor do céu que naquele instante nos cobria, ela se virava e como quem busca em câmera lenta observar os detalhes de uma cena eu a observava. Ao encontrar dos nossos olhos ela sorriu e como quem diz adeus ela partiu. Meu corpo estremeceu e eu não tive atitude, minha vista escureceu e ao ouvir o chiado eu despertei daquele sonho.

 

Meu relógio de cabeceira apontava quase três da madrugada, o cenário não era o mesmo e eu percebi então que o meu cenário era a minha sala. Ao invés da paisagem, poltronas sujas e maltratadas, ao invés do som do vento, barulho de estrada. Ao sentir sucintamente que aquilo não passava de uma ilusão por mim criada eu gritei. Gritei em forma de protesto. Não por viver daquela forma, mas por serem os sonhos finitos.

 

Uma lágrima dispersou-se insistente pelo meu rosto e eu não contive o desespero e o abandono que sentia. Já muito velho e também cansado, eu não resistia. Toda forma de sonho era fantasia. Na minha velha casa o que restava era apenas um retrato da felicidade que eu tive um dia. A juventude, a alegria tudo agora estava velho e igual também a minha poesia.

 

A alegria quando envelhece vira tristeza, a juventude, melancolia e os nossos sonhos viram retratos de um álbum que fica jogado na mesmice dos nossos desejos.

 

Quando mais recomposto, olhei-me no espelho e na face vi as marcas do destino, da história de minha vida. Olhei-me nos olhos procurando perceber neles algo que eu não sentia. Algo que eu não sei se existira em mim mesmo. Meus olhos não sorriam, estavam secos e opacos e simplesmente me viam.

 

Vagarosamente dispersei-me da imagem e caminhei refletindo sobre o que fazia. Vazia a imagem na lembrança, vazio de qualquer sentimento que ocasionalmente pudesse sentir além de tristeza. Sentei-me diante da tv, apertei o botão de ligar novamente e fiquei apenas a observando um canal após o outro passar, fora do ar...

 

A campainha tocava e de dentro ninguém escutava, arrombaram a porta de entrada e recolheram um velho corpo do sofá. No cemitério havia uma linda jazida repleta de flores onde muitos dos meus descansavam e onde a minha companheira me esperava. Em cima do caixão além de terra foram flores e lágrimas, a paz eterna eu respirava. Apresentei-me ao altíssimo que me conduziu a uma ante-sala onde me fez referência de minhas faltas e onde me disse que estavam perdoadas. Encontrei com parentes antigos que ocupavam suas funções no que eles chamavam de Jardim Cativo e onde eu jamais imaginara que pudesse ser a minha casa.

 

Sofrendo vendo aquela imagem em que o filme terminara, eu ainda coberto e com o rosto repleto de lágrimas, senti-me tomado pelo desejo de ser aquela personagem que eu pude viver por algumas horas diante da tv ligada. Não muito obstante o desejo de vê-lo novamente, procurei por entre os discos se tinha a música que de fundo tocava. Enquanto os créditos do filme subiam, e eu ainda chorava, liguei o som; desliguei a tv; coloquei o disco e fiquei escutando enquanto sonhava e cantando chorava enquanto o disco tocava...

 

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Oscar Calixto
Enviado por Oscar Calixto em 20/08/2007
Reeditado em 23/05/2023
Código do texto: T615010
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