Na beira mar - Parte 2

Cheguei ao lugar indicado por ela na mensagem no começo da noite.

Gabriela estava encostada na cerca, olhando uma lua quase cheia surgir no horizonte. A visão era realmente impactante. Tanto a dela quanto a da lua. Fiquei tempo encostado no muro observando a cena. Gabriela parecia estar completamente perdida em pensamento e eu não queria interromper... ou talvez eu estivesse com um pouco de ansiedade por ter que encarar um monte de gente nova e socializar numa festa. No fim, resolvi seguir adiante.

Parei um pouco abaixo de onde ela estava, pois a cerca ficava acima de uma murada que colocava a casa onde ela estava bem acima da rua.

- Gabi! Gritei.

Ela acordou bruscamente do seu sonho desperto, e abaixou a cabeça em direção a minha voz.

- Oi, oi!. Você veio mesmo. Já vou abrir o portão.

Ela desapareceu por trás da cerca e logo apareceu atrás de um portão de madeira.

Entrei rapidamente e ela me deu um abraço na ponta dos pés.

- Vamos beber? – Disse-me, com um sorriso quase adolescente.

- Vamos!

Ela me puxou pela mão pelo quintal e me levou para os fundos da casa onde eu podia ouvir as vozes do que seria pelo menos dez pessoas.

O cheiro de carne entregou que era um churrasco. Antes de chegar ao fim de um longo corredor que ficava entre a casa e um muro, Gabi parou subitamente e se encostou na parede.

- Olha. O pessoal é bem de boa. Gente fina mesmo. Bebem um pouco demais e as vezes rola uma ou outra discussão.

- Certo.

- Você não parece ser daqueles Bolsominions, então acho que vai ficar tudo bem.

Eu podia entender a preocupação dela. Esses tipos estavam aparecendo cada vez mais frequentemente por ai, e eu simplesmente não aturava os seus discursos.

- Não sou não, Gabi. Acredite.

Ela sorriu e continuou a me puxar em direção à festa.

Cheguei finalmente ao fundo da casa e ela me apresentou aos seus amigos.

- Pessoal, esse aqui é o Rômulo. O cara que eu conheci na praia.

Eram quatro homens e cinco mulheres. Todos sentados ao redor de uma mesa e bebendo cerveja e vinho.

Uma churrasqueira portátil queimava, com alguns pedaços de carne em cima.

As pessoas me cumprimentaram e Gabi me ofereceu uma cadeira para sentar.

Me sentei e um dos homens me estendeu uma lata de cerveja.

- Meu nome é Junior. Você toma cerveja, né?

- Bebo até água sanitária, cara. Respondi, alcançando a lata.

Todos riram e eu me senti um pouco mais a vontade.

Tomei um gole e fiquei ouvindo a conversa sem falar muita coisa.

A noite foi correndo sem nada muito especial até que Júnior resolveu pular nu dentro da piscina que ficava no jardim.

Todos foram atrás dele inicialmente. Fui andando devagar, mas logo percebi que Gabi voltava em minha direção.

- Não to afim de ver ninguém nu hoje.... pelo menos, não ele.

- Não é algo que eu queira ver também. – Respondi.

Ela deu um sorriso de canto da boca e sentou-se no canto da parede.

Sentei do seu lado e tomei um gole de cerveja.

- Tem algo em você que me deixa curiosa.

- O que?

- Não sei explicar ao certo. As vezes você fala coisas que me deixam pensativa.

- Mas conversamos tão pouco...

- Exatamente. Por isso estou curiosa.

- Não sei se isso é algo bom ou ruim...

- É algo bom, não digo isso a todo mundo... Eu reparei em você na praia. Todo solitariozão, pensativo... mas de uma forma que me deixou bem à vontade de conversar.

- Que bom que você se sente assim a meu respeito. Eu sou um cara meio estranho mesmo. As pessoas em geral me acham estranho.

- O que elas dizem?

- Que eu mudo bastante de humor. Que sou dramático... A realidade é que ultimamente eu to mais introspectivo mesmo. Mas não é sempre assim. Tem dias que eu não paro de tagarelar.

Gabi soltou um risinho espontâneo e respondeu.

- Não consigo imaginar você assim. Você tem esse negócio meio Don Casmurro Lombrado.

- Gostei dessa. – Respondi sorrindo. – Mas você só conheceu um lado da minha moeda.

- Será que eu vou conhecer o resto um dia?

- Acho que sim. Só não sei se vai gostar.

- O que tem para não gostar em você?

- Ah, meu bem. Eu não vou dar spoiler. Vamo beber que você vai descobrir aos poucos.

O álcool foi soltando um pouco do meu lado mais jovial, e logo eu e Gabi voltamos para festa.

Eu percebi que um dos caras gostava dela, pois não estava sorrindo quando voltamos. Resolvi manter um pouco de distância dela para que ele pudesse se aproximar e diminuir a animosidade. Conversei com quase todos durante o resto da festa e percebi que eram pessoas bem legais.

A noite avançou e no fim, eu estava sentado na beira da piscina com uma das garotas. Seu nome era Mari. Era um pouco mais velha que Gabi e portanto mais próxima da minha idade.

- Acho que ela gosta de você? – Disse-me Mari.

- Ela quem?

- Gabi.

- Não, não.

- Mulher sabe dessas coisas.

- Acho que você se enganou. De qualquer forma, não posso estar com alguém por agora.

- Por que não?

- Não estou bem comigo mesmo, imagina com outra pessoa. É uma questão de responsabilidade emocional.

- Acho isso uma besteira. Você tem que se permitir.

- Acredite em mim, Mari. Não seria uma boa coisa.

- Tá certo, meu bem. Não vamos mais falar nisso então.

- Tudo bem.

Deixei meu celular e carteira na borda da piscina, e pulei dentro d’água.

Mari ficou me olhando por um tempo e fez o mesmo.

- Sua namorada não tem ciúmes de você aqui comigo? Perguntei.

- Não. Ela não é do tipo ciumento.

Mari namorava uma das outras garotas, que se chamava Stella. Faziam um casal interessante, mas percebi logo cedo que as duas tinham uma certa liberdade com outras pessoas que sugeria que o seu relacionamento não era monogâmico.

Nadamos um pouco, mas Mari logo se queixou do frio e saiu.

Fiquei abaixado dentro d´agua, só com a cabeça do lado de fora.

Gabi veio saindo de dentro da casa com uma toalha e duas latas de cerveja.

Ela me deu a toalha, com a qual eu me enxuguei prontamente da melhor maneira que pude.

Sentei na beira e ela ficou do meu lado, calada, bebendo o conteúdo de sua lata.

- Vou te contar minha história. Ai talvez você me entenda um pouco melhor. - Eu disse finalmente.

- Não precisa se não quiser.

- Mas eu quero.

Ela sorriu e bebeu mais um gole da cerveja.

- 2016 foi com certeza o pior ano da minha vida. E não sem motivos.

Muita coisa aconteceu e eu não cheguei a processar tudo ainda. Em resumo... saí de um relacionamento com uma sociopata, e tive que lidar com a morte do meu pai de uma maneira bem brusca.

Gabi não conseguiu esconder um olhar de tristeza e preocupação. Mas eu continuei a falar.

- Não estou falando isso sobre a ex namorada por rancor ou raiva. Não sou o tipo de cara que fica difamando a ex depois do fim de um relacionamento. Estou tentando apenas te mostrar o que esse namoro causou em mim. Descobri que fiquei dois anos da minha vida preso a uma pessoa incapaz de ser sincera sobre seus sentimentos. Que mentia para proteger seus interesses e era capaz de se aproveitar de minhas vulnerabilidades para me cegar em relação ao que ela fazia. Ela chegou a manter um relacionamento com outra pessoa ao mesmo tempo que teve comigo. Chegou até a abortar um filho que poderia ser meu.

Descobri tudo isso da pior forma, e ela sequer demonstrou remorso. Perdi minha capacidade de confiar em outras pessoas... cheguei a ter raiva e ódio de mim mesmo por ter me permitido ser enganado. Mas consegui deixar muito disso para trás.

Ao mesmo tempo teve a morte do meu pai, que virou a minha família de cabeça para baixo.

Ficamos os dois calados por um tempo e por fim, Gabi me abraçou.

- Olha. Me desculpa por ter te feito falar isso tudo. Você realmente não precisava relembrar essas coisas.

- Mas Gabi, não há um momento em que eu consiga me esquecer delas. É um peso que vou ter que carregar comigo por um bom tempo.

- Não acho que precise.

- talvez não. Mas por enquanto ele está aqui.

Percebi que o cara que gostava dela estava encostado na porta da casa nos olhando, com uma expressão não muito satisfeita.

- Acho que seu namorado está sentindo sua falta.

- Ele não é bem meu namorado.

- Parece que ele gostaria de ser.

- Talvez.

- Vai lá. Eu tenho que ir embora.

- Tá bom. Nos vemos outro dia?

- Quando você voltar para Recife me manda uma mensagem. Eu volto logo de manhã

- Ok.

Gabi então se levantou e abriu o portão para mim.

Saí em direção a rua e logo cheguei à pousada onde eu estava hospedado.

Entrei e subi para o meu quarto.

Tomei um banho quente e me joguei na cama, esperando dormir algumas horas antes de voltar para casa.

Meu celular vibrou e vi que havia uma mensagem de Gabi.

“Da próxima vez eu te conto a minha história... se você quiser ouvir”

Fiquei um tempo pensando no que digitar, mas terminei me contentando com um laconismo que não me era comum.

“Ok. Boa noite.”

Naquele momento, eu só queria dormir por um ano e acordar num mundo diferente.

Botei o despertador para tocar as nove horas e fechei os olhos.

caí no sono quase que instantaneamente.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 24/10/2017
Código do texto: T6151783
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.