Ela voltará!

Dentro de um quarto,sentados em cadeiras de aço, dois colegas conversavam incessantemente.

-O tempo é tão curto que se pode tocá-lo,se pode senti-lo na palma das mãos...

-A todo momento eu vejo o rosto dela,eu sinto o rosto dela,ela está aqui.

-Mas,e se o tempo correr?como dizem que corre,para onde ele vai?

-Ela disse que voltava e eu esperei ,e esperei.E agora ela voltou,veja...

-Olhe,o tempo é duvidoso,todo tempo penso nisso.Não deixe o tempo escorrer em vãos pensamentos,não deixe o tempo escorrer!

-Ela está e agora tudo pára aqui, e nada foge.

-Se ficar vai ser para sempre como o tempo, e para nunca como só ele.

-se ela está aqui é para nunca partir.Eu sinto ela e vejo ela.Todo o tempo.

-Fuja do relógio porque são vinte e quatro horas de angústia,nos ponteiros tem mentiras.

-Não vai mais embora,eu vejo ela e sinto ela.Não vai mais,eu sei.

Era um dia claro de sol,mas ventava forte do lado de fora,o janelão que dava para o jardim estava embaçado e as cortinas paradas,abertas e enroladas com suas fitas,dando toda a vista fosca do jardim.Verde e frondoso,com um caminho de pedras que ia até um muro muito alto, e quase impossível de se enxergar tal a distância do quarto para a entrada.

Todos os dias,sempre as duas da tarde,os dois companheiros

dedicavam-se e entregavam-se em suas demoradas conversas do cotidiano.

-Faz muito tempo que o tempo parou,você não percebeu?

-Ela não pára quieta,não tenho nem tempo de dizer o que sinto.

-Sim,pára!Quando é um instante importante tudo pára e ali fica imóvel,deixe-me pensar!

-Sabia!Não ia se demorar tanto tempo,ela me ama e disse que voltaria e eu esperei, agora é ela lá.Consegue ver?

-Eu vejo com o tempo o tempo que passa arrastado.Não olho para relógios,embora saiba exatamente que horas são, e sabe como sei?

-Como?Como pode?

-Eu olho para o sol e dependendo da sua posição eu calculo.Se estiver bem em cima da cabeça, é meio dia.

-Não acredito que gastei tanto tempo para entender isso!

-Sim,o meio dia é mais demorado,de meio dia pra frente tudo vai arrastado.O sol ofusca o tempo e cansa a vista dos que não podem resistir a olhá-lo.

-Eu vejo,eu tenho coragem e páro bem no meio e olho e sei também,como ela também sabe.

-Como pode?Como?

O silêncio por vezes era enorme do lado de fora,tudo parecia nada e até o vento não fazia o menor barulho.Parecia parar para a conversa sagrada de cada dia.

-Todo meu coração foi entregue em suas mãos.Ela levou com ela o que eu tinha de melhor.Porém, o melhor nem sempre é o que pensamos que seja.Talvez o melhor fosse mesmo a sua partida.

-De certo que quando se parte vários pedaços são refeitos e não adianta dizer que o bom tempo virá.O tempo não se move,nós nos movemos e assim,sentimos o ar passar pela pele,isso se chama segundo,hora e dia.

-No dia do aniversário dela,no seu vigésimo oitavo aniversário,eu estava lá e a lareira estava acesa.Me abaixei para apanhar qualquer coisa,como que para me vir a cabeça as palavras certas.Parece que foi ontem.

-O certo é que não foi,não é e nunca será.O que você tem a dizer sobre isso? Eu digo que o tempo não é linear.

-Uma linha,isso mesmo,era uma linha de seu vestido que estava no chão.Foi o que eu disse a ela pelo menos.Depois daquele dia,nunca mais a vi.

-Não dá para ver!O tempo encobre muita coisa e a minha teoria explica tudo.

-Naquele dia ,quando ela chegou a outra cidade e não podia mais olhar o seu rosto amado,nem sentir o seu hálito...o tempo parou.

Neste instante,alguns passos eram ouvidos, ecoavam do corredor para dentro do quarto.Mas, não era a hora certa,não iria acontecer,a porta não iria se abrir.Como de costume,só as às três horas ela chegaria.

Os dois colegas continuavam como se coubesse ali toda eternidade em uma só paixão.

-Minha teoria é de que o tempo não é uma reta,com presente,passado e futuro.O tempo é circular e assim,podemos voltar em vários pontos;chamam isso de dejavú.Não existe isso...

Uma pausa quase fulminante paira sobre o quarto e os dois olham para o vidro da janela,agora já límpida,translúcida.

-Vê? Todos eles estão no jardim agora,todos em seus tempos,parados em linha reta.Eles acreditam que estão no caminho certo, são todos loucos e nós aqui podemos vê-los, tão loucos de si que dá dó.

-Aquele homem de cabelos brancos também a conhece,eu já a vi de braços dados com ele.

-Não se pode prever o futuro.Tudo acontece em fração de segundos,num estalar de dedos, não se pode temer nada que o tempo traga.Eles temem e você? você entende?

-Ela me ama e não importa se estiver com todos os outros lá fora e venha me ver daqui a pouco.Pode até parecer loucura mas, meu amor suplanta tudo mesmo que me roa de ciúmes; eu sei que é para mim que ela sempre volta.

-Como o tempo é curto!Todos esses loucos lá fora não vêm o tempo passar e acreditam em falsos juramentos.

-Ela nunca me jurou nada.Ela apenas vem e me leva com ela e eu vou,como se obedecesse,mas é só o amor.

-Eles estão esperando o tempo passar e vai ser difícil se você também não enxergar a verdade.Não enlouqueça,por favor!Nada é minha culpa,são as coisas do tempo.

-Não me importo com eles,não tenho ciúmes,deixo que cada um tenha seu tempo, espero às três da tarde e ela volta.Sempre com o mesmo desejo.É por mim que ela entra aqui.

-Olhe aquele,o mais moço.Ele é bonito e forte,poderia ter saída se não fosse um insensato.Porém, o tempo levou o seu raciocínio, ele não consegue andar em círculos e compreender que nada se pode prender.Nada é de ninguém,colega!

-Ela está vindo,vindo me buscar.Ela vai abrir a porta a qualquer momento.

Os passos do outro lado da porta vinha mesmo em direção do quarto.Passos leves e certos de destino.A maçaneta começa a girar lentamente e a porta vai se abrindo como um feitiço para aquele amante.Era ela,uma mulher muito mágica,vestida toda de branco,com cabelos longos e amarrados em um coque.Silenciosa,calma, misteriosa;um olhar terno e carinhoso,confortante e acolhedor.

-Meu querido,vamos?

Sim!Ela enfim havia voltado e ele estava feliz com a sua certeza.Não precisava da teoria de seu colega.Afinal,ela ali estava.Ele não era nenhum louco para ficar dando ouvidos a uma história sem nexo sobre a crueldade do tempo.

-Sim,minha querida,vamos!

Soberbo e ereto,feliz sem discrição, levanta-se e de braços dados os dois saem porta a fora.O outro,ainda sentado e olhando a paisagem,pensa tranquilo,sobre sua teoria, sem saída para quem não ouvisse.Tudo é dor,quando não se ouve a voz da razão.

No outro cômodo, os amantes juntos se entreolham e ela diz:

-Querido,me dê seu braço.

-Sim, meu amor,me tens por inteiro.

Ela,calmamente,penetra suas veias com a mais doce das substâncias.Seu corpo todo desequilibrado,aos poucos tomba sonífero na cama.Agora a porta volta a abrir-se e lá está o outro,pernas cruzadas,sorriso de satisfação.

-E então,como ele está?

-Dorme agora,como um bêbe!

-Por fim,chegou a hora!

-Sim,meu eterno filósofo,chegou a nossa hora!

-Siga na frente que irei logo atrás.Nossa cama já está pronta?

-Sempre a deixo, perfeitamente, pronta.

-Ele não sabe e isso me dói, tento fazê-lo entender.Sei que não quero machucá-lo,mas não tem jeito.Quanto mais falo,mais pareço um louco.

-Tudo bem,querido,ele já dorme...de nada vai saber.

No final do corredor,em lençois brancos,paredes e cortinas, como as vestes dela,ela o abraça,acaricia seus lábios e toca sua língua dando o seu melhor sabor.A noite finda e os dois dormem profundamente.Com as mentes longínquas,sonhando talvez com ela.Que agora,cruza a fronteira do imenso jardim voltando para algum lugar,tão distante dos muros e daqueles dois mundos,totalmente, perdidos ou achados.Ela,talvez um dia volte para um deles;difícil saber,mesmo olhando para o sol,quando nos voltará a consciência.