Orfeu e Eurídice: um amor condenado às cinzas- parte I
O poeta se chama Orfeu e a poesia, Eurídice
Os dois se amavam e casaram, sem mais disse-me-disse
Não acreditavam em cartas, búzios, astros
Estavam nem aí para o azar e seus rastros
Um bastava ao outro e viver juntos já era um sonho
“Que não seja imortal, posto que é chama,
Mas que seja infinito enquanto dure”, já dizia o poeta
Pouco durou, mas infinitamente valeu
É a história de Eurídice, que virou cinzas, e seu Orfeu
Ainda tinha ele, o Aristeu
Que desejava a moça e dizia: “ teu corpo será meu”
Quando ela saíra, era feira; quarta-feira
Dia cinzento, manhã feia.
Aristeu, que espreitava a moça sair
Em perseguição a ela, decidiu partir.
Ela sentia aquela estranha presença, aquele sufocante olhar
Pôs-se a correr, a andar, ofegar.
E o nervosismo tomava conta de Eurídice
Ela lembrava daquela crendice
Que a cigana lhe havia dito certo dia:
“Algo de ruim vai te acontecer, filha”
Apavorada, pensava em como sentia-se segura nos braços de Orfeu
E em como ele jurou protegê-la no altar, diante de Deus
Até que a morte os separe. A morte. Só ela.
Em meio aos devaneios, o medo crescia dentro dela
Até que apareceu alguém para ajudar
Dizem que o Diabo é mulher, talvez pela esperteza, leveza, sutileza.
Se é verdade ou mentira, não posso afirmar
Mas a serpente, tenho certeza.
É mulher.
Pois bem. A tal mulher se escondia da luz
Tinha medo da cruz
Sussurrou quando Eurídice passava:
Vem cá que eu te ajudo, amada
A moça, assustada, aceitou de bom grado
Na estranheza da mulher, nem reparou, é fato
Livrara-se de Aristeu, aquele mal-encarado
Já mais calma, aceitou uma bebida; tinha sede.
Aquela naja comemorava: Eurídice caíra em sua rede
Foi tudo plano, armação
Das serpentes da última rua, que não tinham coração
Queriam uma presa para oferecer à Morte
Contavam naquele dia com a sorte
Envenenariam a primeira vítima que aparecesse
E foi ela, a mulher do Orfeu, quem morreu.
continua