Natal em Família.

ERA uma família composta por oito integrantes:

Gelmocy, o pai da casa, homem robusto de caráter sério, senhor de aproximadamente sessenta anos, advogado desde os trinta, viciado em trabalho e em dinheiro, descendente de italianos e/ou alemães. Dona Maria Fifi, a única mulher da casa, senhora muito educada apesar dos seus inúmeros preconceitos, frustrada por nunca haver conquistado sequer um sonho, porém conformada e contente por ter conseguido educar os seus dois filhos. Augusto César, o filho mais velho, cuja personalidade e fisionomia era parecida ao do pai, uma cópia quase idêntica, como costuma ocorrer com os filhos mais velhos. Pedro Henriquez, o principezinho, filho caçula, jovem sensível e muito esperto, dotado de grandes virtudes, o predileto, sem dúvida, a esperança da família. E os dois cachorros, um labrador negro cego de um olho, e uma vira-lata meio rabugenta, de mais ou menos quinze anos de idade.

Vamos voltar um ano no tempo, no natal do ano passado, onde todos estavam reunidos em volta da mesa, ainda acompanhados das noras, Fernanda, a noiva do mais velho, e Thaís, a namorada do caçula. Foi a última vez em que os oito estiveram juntos. Nessa noite, eles brindaram o aniversário de Christ, e trocaram presentes como de costume. Havia muita fartura na mesa, pedaços enormes de peru, e muito vinho nas taças e nas garrafas. Todos conversaram e se divertiram, e também se deliciaram com os doces na hora da sobremesa. À meia-noite, Pedro estourou a champagne enquanto a família reunida acompanhou os fogos estourando no céu. E todos naquela noite dormiram felizes, até que veio o dia seguinte...

Após o almoço do dia 25, na casa da vó, onde os tios, as tias, os primos, etc, etc, se reuniram novamente em volta da mesa recheada de frango, peixe, maionese, farofa, pavê, e todas as delícias do natal, após o almoço em família, bem na hora da soneca, ou da siesta como alguns dizem, Augusto, motivado pela mesma cobiça do pai, sonhando com seu terço da herança, que poderia lhe proporcionar uma vida sem preocupações, e sem a obrigação do trabalho, colocou em ação um plano que ele tinha em mente há muito tempo: acreditando que ninguém iria desconfiar de nada, por ser natal, ele convidou o pai para passear, com a desculpa de que queria contar uma boa-nova, deixando subentender que iria falar sobre um futuro casamento. Um pouco contrariado, mas se sentindo obrigado a aceitar o convite do filho, Gelmocy entrou no carro. Depois de várias e várias voltas, depois de andarem de um lado para o outro, depois de cruzarem as avenidas mais longas da cidade, de passarem pelas ruas mais estreitas, até finalmente desembocarem na estrada, Augusto parou o carro no acostamento. Sem perder tempo, com um pedaço de ferro que ele tinha escondido atrás do banco, ele deu uma punhalada na cabeça do velho, matando-o com o golpe certeiro. Depois de uma meia hora, ao chegar em casa, sem o carro, com a camisa suja e todo suado, e ao encontrar seus parentes ainda descansando, ele começou a chorar de soluçar e afirmou ter sido vítima de um assalto e de uma tragédia.

Em menos de um mês, o crime foi descoberto pela família. Pedro, totalmente fora de si, não tendo aceitado o ocorrido, e um pouco por amor, mas um pouco também por ter perdido a pessoa que o protegia, ou seja, por não conseguir superar o fato de não ter mais o "protetor", decidiu se vingar e matou o irmão com uma facada letal no estômago na frente da mãe; horas depois, foi preso. A mãe diante de tanta tragédia simplesmente enlouqueceu, e hoje está internada em uma Casa de Saúde. A noiva de Augusto suicidou-se, e a namorada de Pedro casou-se com um grego e foi morar em um pequeno vilarejo no interior da França.

E, devido a todos esses acontecimentos, nesse natal não haverá ninguém em volta da mesa.

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A herança ficou com um advogado amigo da família, um doutor japonês cujo nome é uma homenagem à sua cidade natal, Doutor Hiroshima. Ao ver como as coisas poderiam se desenrolar, ele prontamente quis pegar o caso, que lhe valeu a aposentadoria.

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Ah, e os cachorros... os cachorros ficaram com a vó, que sofre de Alzheimer ou alguma doença do tipo, e há uma semana ela não lembra de colocar ração para os pobrezinhos. Provavelmente eles ficarão sem ceia.

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Feliz natal.

Carlos Gadamer
Enviado por Carlos Gadamer em 24/12/2017
Código do texto: T6207203
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